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A ARTE “MAGELIANA”





















ALMENARA
2008
MARILENE DIAS BARROS ROCHA


















A ARTE “MAGELIANA”




Trabalho Científico de conclusão de curso apresentado à UNIPAC – Universidade de Almenara. Sob a orientação da professora Msc. Tânia Maria Santana Botelho.

























ALMENARA-MG
2008







SUMÁRIO


Introdução..........................................................................................................   
Cap. 1 –  A  arte através dos tempos................................................................
Cap. 2 –  Magela Albuquerque..........................................................................
2.1                          Sua origem...............................................................................
2.2                          - Nasce o artista
2.3                          - O artista não trabalha sozinho
Cap. 3 –  A arte Mageliana
3.1    - Conceito e características
3.1    -  Fontes de inspiração
3.2.1 – O Rio
3.2.2 – O Vale do Jequitinhonha
3.2.3 – Elas  guiaram suas mãos
Cap. 4 –  A arte rompe  fronteiras
4.1    - Magela Albuquerque expõe e exporta.
Conclusão

 



 





















RESUMO


Este trabalho nasceu sob a pretensão de traçar um conceito da arte produzida por Magela Albuquerque. Logo de imediato, a autora percebeu que se tratava de uma ambição além do seu alcance. Limitou-se, portanto, a descrever as humildes percepções sobre o trabalho artístico criado por Magela, artista do Vale do Jequitinhonha que destaca pela diferenciação com os trabalhos normalmente produzidos na linha popular.  Mostrar o que há de diferente na arte de Magela, que embora se enquadre nos moldes da arte popular, ainda assim, a sua criatividade dá o toque que a diferencia dos outros trabalhos sem deixar de  privilegiar e interpretar  a realidade local. Tudo é aproveitado para realizar uma produção artística rica, criativa, única e própria. Ainda que, usando matéria-prima rústica, não se exime do seu forte poder de comunicação, e mesmo sem pretender ser didática,  dá  exemplo de respeito ao meio ambiente e à cultura local. O artista estima particularmente o objeto gasto e abandonado. Aproveita-o e, infunde-lhe vida novamente. Agrega em sua obra, os trabalhos de  artesãos que um dia se ocuparam em dar forma à matéria bruta. Magela se sente à vontade para manifestar sua expressão artística, que pode ser ás vezes religiosa, outras vezes profana. Ás vezes inovadora e criativa, outras vezes uma releitura de trabalhos já conhecidos. Contudo, sem deixar de imprimir em cada uma delas, sua identidade, sua criatividade e seu jeito irreverente de ser.

 





























INTRODUÇÃO



Este trabalho nasceu sob a pretensão de traçar um conceito da arte produzida por Magela Albuquerque. Logo de imediato, a autora percebeu que se tratava de uma ambição além do seu alcance. Limitou-se, portanto, a descrever as humildes percepções sobre o trabalho artístico criado por Magela, artista do Vale do Jequitinhonha.
Residindo no pequeno povoado de Guaranilândia, município de Jequitinhonha, o artista dá asas à criatividade e lança em suas telas os mitos e o imaginário do povo do Vale do Jequitinhonha. 
 As origens do distrito de Guaranilândia remontam ao início do século XIX, quando a Coroa Portuguesa incentivou a ocupação da bacia do Jequitinhonha, com o objetivo de impedir o contrabando de ouro e diamante extraídos na região.     Conforme descrição de Saint-Hilarie, a região era rica em fauna e flora, além dos cobiçados minerais. Era habitada por diversas tribos indígenas. O distrito recebeu o nome de Aldeia do Farrancho e era habitado pelos índios Maxakali. O distrito de Guaranilândia nasceu do confronto entre índios e colonizadores. Os habitantes da antiga Aldeia do Farrancho trazem nos traços físicos e nos costumes a influência da miscigenação indígena e africana. Ainda hoje a cerâmica utilitária produzida ali, herança do Maxakali, é reconhecida   em toda região. 
No entanto, a criação artística de Magela se destaca pela diferenciação com os trabalhos normalmente produzidos na linha popular.  Esse é talvez o grande desafio deste trabalho. Mostrar o que há de diferente na arte de Magela, que embora se enquadre nos moldes da arte popular, ainda assim, a sua criatividade dá o toque que a diferencia dos outros trabalhos sem deixar de  privilegiar e interpretar  a realidade local.
O interesse da autora pela arte de Magela Albuquerque nasceu de uma visita que os acadêmicos do curso de História, fizeram à  casa-ateliê em meados de outubro de 2007.  A partir do encontro com o artista e seus trabalhos, percebeu-se a necessidade de decifrar as influências e objetivos contidos em suas telas. A importância dessa pesquisa monográfica se faz pela necessidade de  esclarecer o conceito “arte mageliana” e, sobretudo, para cumprir exigência de trabalhos para conclusão de curso. Além disso, acredita-se que o tema da pesquisa é importante para divulgação e valorização da arte e do artista.  Embora, já existem alguns estudos sobre  artistas do Vale do Jequitinhonha,  Magela ainda não  foi estudado com a devida atenção e reconhecimento, apesar de uma produção diversificada de quase uma década.
As anotações feitas até hoje sobre o artista foram elaboradas a partir do olhar curioso de cientistas e acadêmicos que se deliciam com o seu jeito não convencional de produzir, no entanto, não compreendem o imaginário coletivo e o contexto que o artista está inserido.  Por isso, a despeito de tudo o que já foi dito, a presente pesquisa feita sob as percepções de alguém que se sente inserido nas representações artísticas do Magela, tem a pretensão de divulgar a arte que se faz a partir do que se tem em torno de si. Ainda que, usando matéria-prima rústica, não se exime do seu forte poder de comunicação, e mesmo sem pretender ser didática,  dá  exemplo de respeito ao meio ambiente e à cultura local.
Para elaborar este trabalho foram usados todos os parâmetros de arte vistos durante o curso de História, mas especificamente nas disciplinas de História da Arte e História Local.  A partir das pesquisas bibliográficas, leituras e percepções, análise  das pesquisas e  textos feitos por admiradores da arte de Magela.  Foram feitas visitas “in loco” para observar as características da obra e entrevistar o próprio artista no espaço de gestação artística. Procurou-se ainda manter contato com os ajudantes do artista no seu ateliê. Buscou-se depoimentos destes para averiguar como são influenciados pelo artista.  As criações artísticas de Magela permitem que outras mãos completem seu acabamento. O macramê, o fuxico, pequenos bordados ficam por conta das mãos habilidosas de Tonico e Ronicássio, que conseguem captar as intenções do artista.   Além de conversar com pessoas que conhecem  Magela e entendem o seu jeito de produzir arte.
Utilizou-se como método de abordagem, o dialético. Os métodos de procedimento foram os métodos: histórico e monográfico.
 É uma pesquisa que faz abordagem numa perspectiva antropológica e cultural.
O trabalho foi dividido em quatro capítulos.  Para iniciar, o capitulo um faz uma abordagem sobre a arte através dos tempos, para efeito de esclarecimento e compreensão da evolução da arte e suas influências no objeto a em foco neste trabalho. Para isso, valeu-se, entre sites e reportagens, do livro de Jorge Coli (1995),  O que é Arte. No capítulo dois é apresentado o cidadão Geraldo Magela Lima Albuquerque, suas origem, sua infância e influências que o levaram a se tornar um artista plástico. Neste capítulo utilizou-se do artigo: “Magela: um artista não compreendido”, de autoria da Mestra em Educação:  Tânia Maria Santana Botelho,  além da entrevista com o próprio artista.
No terceiro capítulo, procurou-se traçar um conceito para a arte de Magela. Fez-se um paralelo com tudo aquilo que é fonte de inspiração para o seu trabalho. Desde um simples pedaço de bijuteria  até peças para reciclagem recolhidas das margens do rio Jequitinhonha. Tudo é aproveitado para realizar uma produção artística  rica, criativa, única e própria. Esclarece ainda a importância e a influência do Rio Jequitinhonha e do cotidiano do Vale na arte de Magela. Neste capítulo utilizou-se  do livro de Ângela Mascelani, “O mundo da arte popular brasileira” (2006), do trabalho da historiadora Cristiane Maria Magalhães, “A arte do Vale do Jequitinhonha pelas hábeis mãos de Magela Albuquerque”, além de sites sobre a História da Arte.
No quarto capítulo a arte de Magela Albuquerque já está cristalizada e pronta para se mostrar e encantar outras paragens.  Nesse capítulo foi feito um breve histórico de exposições das peças feitas pelo artista e da receptividade que as suas obras encontram além-Vale do Jequitinhonha. Para elaborar este capítulo foram feitas entrevistas com Dona Helena Guimarães e Jumária Cunha, ambas as artistas plásticas residentes em Almenara.
Ao final, resta, portanto, as análises e conclusões a respeito da arte e do artista  e os obstáculos superados para ver seu trabalho valorizado e reconhecido dentro do meio que é também fonte de inspiração.


CAPITULO 1

A ARTE ATRAVÉS DO TEMPO


"... Não gosto da idéia de que uma obra de arte tem de ser executada por um artista. É uma idéia antiquada. Os arquitetos não constroem eles mesmos as suas casas...".[1]

Damien Hirst



O conceito de arte tem mudado ao longo do tempo. Porém é certo que a arte deve interrogar,  fazer pensar, intuir, estimular o sentir e o reagir do homem e ampliar sua sensibilidade.
Jorge Coli (1995) mostra em seu livro “O Que é Arte” que, para definir o que é ou não é arte, a cultura possui instrumentos específicos que conferem ao objeto o estatuto de arte, um deles é o discurso sobre o objeto artístico. Uma análise crítica de um especialista em arte que tem competência e autoridade para julgá-la arte ou não e a partir de seus conhecimentos pode classificá-la por diferentes estilos. Marcel Duchamp propôs que qualquer objeto poderia ser obra de arte. E quando Pierre Cabanne lhe perguntou: “Afinal, o que é arte?” A esperta resposta de Duchamp foi outra pergunta: “O que não é arte?” Duchamp conseguiu convencer a muitos que é arte tudo o que alguém diz que é arte. Mas a  aposta de Duchamp não é que tudo, indiferentemente, seja arte, mas que tudo, na sua diferença, possa ser arte. E esta diferença deve ser entendida como afirmação da liberdade e criatividade humanas.
Encontra-se arte desde a humanidade remota até nossos dias e, certamente, a encontrará amanhã. Cada cultura possui saberes, códigos e valores próprios condicionando os sistemas de comunicação. Também de indivíduo para indivíduo, a arte varia caracterizando a capacidade de representação, sensibilidade, personalidade e interesses de cada um. Como é o caso da pintura rupestre, pura expressão de magia, por meio da qual procurava ter poder sobre o animal  através da retratação da sua imagem. Nesse período, as várias formas de produção artística, buscavam de alguma forma trazer para o mundo mortal os valores do mundo divino. Esta visão de arte é especialmente encontrada nos egípcios e babilônios.
E, já ligada à inteligência, o artista grego tenta, através da arte, exprimir suas manifestações artísticas buscando o ritmo, o equilíbrio e a harmonia ideal. A arte grega era uma busca constante da perfeição e atinge os mais altos padrões de harmonia. Portanto, segundo o ponto de vista clássico, a arte é imitação da natureza, mas não se resume a um simples retrato dela, mas à busca de uma natureza ideal e universal. A busca deste ideal universal de natureza é, para a arte clássica, a busca da beleza universal, pois a natureza, sendo perfeita, é bela. Não existe separação, segundo este ponto de vista, entre arte, ciência, matemática e filosofia: todo o conhecimento humano está voltado à busca da perfeição. Os gregos são responsáveis também por uma série de avanços do ponto de vista técnico da produção artística.
A arte romana mesclada pela arte etrusca popular e pela greco-helenística retrata a realidade vivida, realçando a idéia de força e o predomínio do caráter sobre a beleza. É uma arte realista. Os romanos praticamente nada inovaram em matéria de arte. Mas sua contribuição original se dá, no campo da arquitetura, na valorização do espaço interno – até então totalmente negligenciado, e na compreensão da dupla importância, estética e estrutural, de elementos como o arco e a abóbada. Por sua forte dose de utilitarismo, a arquitetura romana se aproxima da arte moderna mais do que qualquer outra antiga. Além do mais, foram os romanos grandes engenheiros e resolveram certos problemas de engenharia de pontes e aquedutos por métodos ainda hoje úteis.
No mundo medieval, sob a influência do cristianismo, a arte se volta para a valorização do espírito. A arte nesse período é uma extensão do serviço divino e uma oferenda à divindade. A arte mais típica da cultura medieval foi o estilo românico, com suas catedrais em forma de fortalezas militares e imagens sem nenhuma consideração para com as características reais das coisas e dos seres representados. Suas figuras eram exclusivamente religiosas, de formas e expressões invariáveis, de volumes e dimensões uniformes, chapadas contra o fundo, quase suprimindo a idéia de espaço. Uma arte estática, rústica, inalterável e sagrada, como sociedade que ela representava.
Na última fase do período medieval aparece o gótico, uma arte de raiz germânica e que penetra pelo norte da Europa. O estilo gótico traz consigo a leveza e a delicadeza das miniaturas e o policromatismo da arte autenticamente popular. Sua difusão ajuda a romper com a rigidez do românico, e as catedrais ganhariam uma nova concepção, baseada na leveza dos arcos ogivais e na sutileza da iluminação dos vitrais, dinâmicos e multicoloridos. Começava-se a ganhar em termos de espaço, movimento, luz e cor.
A  arte contemporânea foi marcada por uma revolução estética que traz consigo uma sucessão de estilos e movimentos, muitos dos quais de pouca duração e, em sua maioria, centrados na busca de novas direções e princípios inovadores. Estes movimentos e estilos se caracterizaram por marcar uma ruptura com a arte clássica que dominava desde o renascimento. Devido a essa diversidade, é difícil definir a arte contemporânea.  Inclui a idéia da arte pela arte, a ênfase na originalidade, a exaltação da tecnologia moderna, o fascínio pelo primitivo e o compromisso com a arte popular. Na sociedade contemporânea, é a própria cultura que decide qual objeto é arte e qual não é. O objeto em si não carrega essa definição.
E com isso, ampliou-se a definição de arte, que passou a incluir, além de objetos palpáveis, idéias e ações.
Enfim, toda criação artística  é resultado de constantes transformações que ocorrem ao longo da história da humanidade. Ou seja, o homem cria arte como meio de vida pela ou pela simples necessidade de expressão artística, em todos os climas, em todas as geografias e em todas as idades. A arte não é algo isolado das demais atividades humanas. Ela está presente em muitos artefatos que fazem parte do nosso dia-a-dia. E que futuramente poderão estar nos museus, atestando os nossos hábitos, o nosso modo de vida e os nossos valores.
 O produzir artístico nasce de uma observação apurada que, tanto pode ser dirigida para os aspectos externos quanto internos de algum fator, guiada pelos conceitos de beleza, que se formaram da vivência do artista. Sendo assim, ao fazer arte o artista não pensa, o artista sente. Pensar seria a barreira entre a observação e a ilusão. Nesse sentido, o artista Magela, não difere dos demais, pois como ele mesmo diz, sua tela nunca está acabada, porque há sempre algo a ser feito, algo a ser inserido, uma vez que ela não foi projetada e nem pensada. Vai se fazendo à medida que a imaginação e a criatividade criam asas.
Naturalmente fatores históricos e sociais modelam os tipos de arte, mas a verdadeira arte jamais se escravizará a códigos e será sempre inovadora e capaz de falar do seu tempo.
 No passado, costumava exaltar a genialidade do artista, no entanto hoje já se sabe que a arte não está intrinsecamente ligada à inteligência. Também não depende de cultura. A mesma coisa vale para quem gosta de arte ou das coisas que se dizem ser artísticas. Não é preciso compreender ou explicar, não faz sentido perseguir a mensagem que está contida na obra de arte. Às vezes não há mensagem alguma e o artista, em nenhum momento teve a pretensão de modificar o mundo ou o seu ambiente. Ele apenas sentiu, agiu e criou arte. E, talvez seja esse o grande encanto da arte: permitir a liberdade de pensamento que busca compreender sua mensagem e fazer com que os outros também a compreenda em todas as graduações possíveis.
Contudo, explanações à parte, tenta-se neste trabalho uma definição para a arte do artista em questão, Geraldo Magela Lima Albuquerque. Em que estilo se enquadra? Que influências permeiam seus trabalhos?
Ao longo do século XX estudiosos da História da Arte tiveram que olhar para a produção popular e acabaram por inventar diversas categorias que se referem a ela. Arte popular, primitiva, ingênua (ou naïf) e artesanato. Não há como entender a discussão em torno da arte popular se não compreendermos as diferenças desses termos e as implicações de seus usos.
Para o marchand especializado em arte popular, Roberto Rugiero, o que é chamado de arte ingênua é, na verdade, um engodo. Ela é feita por artistas que fazem uma espécie de imitação da verdadeira arte popular e não tem interesse artístico. Já a diretora do Museu do Pontal no Rio de Janeiro, voltado para a produção popular, a antropóloga Ângela Macelani (2006), diz que o termo arte naïf (ou ingênua) geralmente refere-se a pinturas, enquanto o termo popular está mais ligado à produção de objetos tridimensionais. Seja como for, seria, no mínimo, politicamente incorreto, hoje, designar a produção popular de ingênua. Afinal, o fato desses artistas normalmente não terem uma educação formal não faz necessariamente com que eles tenham uma visão ingênua do mundo.
A grande diferença entre os artistas naifs e os acadêmicos é que os primeiros  pintam com a alma. E sempre escolhem temas regionais, lembranças da mais tenra infância, o circo na cidade, o balão de São João, o imaginário popular,  as manifestações da fé popular em geral.  A arte naif é um tipo de arte totalmente não-acadêmica, não burilada ou ditada pelos pressupostos acadêmicos.
É nesse contexto, que o artista Geraldo Magela, se enquadra. Suas telas são marcadas pelas cores vivas e por retratar o inconsciente coletivo popular e suas  manifestações religiosas, características marcantes da chamada arte naif.  No entanto, embora não tenha freqüentado nenhuma academia de arte, ainda assim, foi preciso a ajuda da artista plástica Helena Guimarães Pequeno, para fazê-lo se descobrir como um artista. Foi a partir das orientações da Helena Guimarães, que  Magela, se rendeu à magia dos pincéis.  Sua Imaginação não tem limites. Ele cria e recria, constrói e reconstrói, reinventa o cotidiano e os mitos populares, lançando-os em suas telas numa viva expressão de coragem e sensibilidade.

 

 

 

 

 

CAPITULO 2


MAGELA ALBUQUERQUE: SUA ORIGEM

"De tempos em tempos, o Céu nos envia alguém que não é apenas humano, mas também divino, de modo que, através de seu espírito e da superioridade de sua inteligência, possamos atingir o Céu[2]"  Visari ( século XVI).


Uma maneira possível de definir o ser humano é dizer que ele pensa e age, ou pensa e faz. Mas, em se tratando de alguém tão enigmático, quanto transparente, por mais paradoxal que possa parecer, essa definição torna-se uma tarefa complexa, senão perigosa. Há de se ter extremo cuidado, evitando ser tendencioso ou simplista demais. Falar do artista rigoroso e inquieto que escaneia o imaginário popular com seus pincéis  e suas agulhas, do buscador das lendas e histórias contadas de geração em geração, para depois retratá-las em suas telas, precisa antes de tudo, entender o meio e as influências que nortearam sua identidade artística.
Geraldo Magela Lima de Albuquerque, filho único, prematuro até no nascimento. Nasceu no dia 18 de agosto de1968, no oitavo mês de gestação. Não guarda lembrança do pai, uma vez que este abandonou a mãe antes do seu nascimento. Conta-se que a mãe, Clemência de Oliveira Lima, mulher muito religiosa, entregou o filho à proteção de São Geraldo Magela, o que lhe valeu também o nome de batismo.
Enquanto criança sonhava ser bailarino ou quem sabe um ginasta. Sua inquietude com os padrões ditos normais, se revelou muito cedo. Não se adaptou às escolas convencionais. Custava-lhe muito ficar sentado numa cadeira, lendo, escrevendo, escutando um professor. No entanto, em respeito aos educadores, em especial à sua mãe, e àqueles que entendiam seu espírito inquieto, ainda permaneceu na escola por um algum tempo. Estudou na Escola Estadual Tancredo Neves e Escola Estadual Laudelina Lacerda, cursando até o 2º ano do 2º grau.  E teve a sorte de encontrar professores que incentivavam o seu lado artístico. 
Segundo o próprio Magela, a professora Maria Antônia, foi um desses incentivadores, que avaliava seu rendimento através dos trabalhos artísticos que fazia de acordo com o tema da aula. Foi dessa forma que descobriu que tinha talento para a arte.


NASCE O ARTISTA


Criado na casa dos avós maternos, reproduz em suas telas todas as lembranças e aprendizado da infância.  Filho de costureira aprendeu desde cedo a brincar com os retalhos, bordados e crochês executados pela sua mãe, que mais tarde se tornariam o diferencial da sua arte.  Da avó herdou a mística religiosa eternizada nas flâmulas do divino espírito santo, e de todos os santos cultuados pelo povo do Vale do Jequitinhonha.
Incentivado pela mãe e grande companheira, aperfeiçoou sua habilidade com a costura, e assim, transforma suas telas numa miscelânea: reúne linhas, gravuras sacras, bordados, fuxicos, pequenas peças recolhidas aqui e acolá.
Conforme a historiadora Cristiane M. Magalhães – (2007)[3], “ com as janelas abertas de frente para o rio Jequitinhonha o artista inspira-se nas paisagens e lendas do Vale e do Brasil para criar a sua arte e dar nova vida a objetos mortos, descartados como lixo.”
Apesar da produção diversificada de mais de uma década, o artista ainda não mereceu a devida atenção e reconhecimento dos estudiosos da área, nem tão pouco de seus conterrâneos.
Magela Albuquerque é um atento observador do seu povo, da sua terra, das tradições e superstições de sua gente,  e ainda por cima, possui habilidades especiais para representar tudo isso. A despeito das condições adversas em que vive consegue transformar o sofrimento em beleza, o preconceito em  bandeira  e segue sua trajetória corajosa.  Ele é movido por uma inexplicável força interior que o leva inexoravelmente à necessidade de criar. Mesmo diante de uma vida cheia de dificuldades, ele optou por ser artista e consegue manter-se vivo com a sua arte.
Há cerca de dez anos, resolveu assumir-se como profissional e montou uma espécie de oficina de idéias. E, escolheu justamente o povoado de Guaranilândia para criar, pintar e bordar.  Não o bordado convencional.  Magela usa materiais recolhidos na beira do rio, tudo que é descartável, desde uma lata enferrujada até códigos de barras  de alguma caixa jogada no lixo.
O artista que poderia ser definido como naïf, vai muito além da denominação. Magela é um artista popular e sua obra se vale justamente da ingenuidade para se encher de beleza que fala por suas cores fortes e objetos inusitados. Magela testemunha em suas telas a vida cotidiana, fervilhante de tradições e costumes carregados de mística e significados múltiplos.
Outra característica peculiar de Magela é a  de ressaltar a importância dos que trabalham com ele. As individualidades dos seus parceiros, Tonico e Roni[4], são ressaltadas e reconhecidas em suas obras.  Mas a primeira parceira foi, sem dúvida, sua mãe. Que o ensinou a lidar com as agulhas e mais tarde ensinou o macramê para Tonico.  Hoje Tonico, dá sua contribuição aos trabalhos de Magela, inserindo lindos bordados de macramé em suas flâmulas.  Enquanto, Ronicássio,  insere bordados, confere as telas em busca de algo que pode ser acrescentado ou retirado. Ronicássio é a própria autocrítica de Magela.
Mas Magela não é somente um artista plástico, ele está sempre à procura de uma solução para os problemas sociais do lugar onde vive.  Ali, ele dá lições ás crianças de como se cuidarem, de evitarem a prostituição e a gravidez na adolescência.  Procura conscientiza-las dos perigos da droga. Cria oficinas no seu ateliê, onde interage com essas crianças, criando uma ambiente de confiança e aprendizagem.
Ultimamente, vem se esforçando para colocar em prática um projeto que inclui trazer sua arte para as salas de aula.  Seu sonho é criar oficinas de arte na Escola Estadual Joviano Naves, onde sua mãe foi diretora. Dessa forma estaria prestando uma homenagem à mãe e ajudando os alunos a encontrar uma função, um jeito de soltar a criatividade e libertar do estigma da marginalidade.
Magela, embebido pelos segredos escondidos nas águas do rio Jequitinhonha, pinta e borda sob  inspiração dos temas cotidianos do vale.



 

 

CAPÍTULO  3


A ARTE MAGELIANA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS.


Eis aqui a grande polêmica: a definição de arte varia, sim! Não se pode olhar pra uma obra de arte feita hoje como se olhava para uma obra feita há alguns séculos. Não se pode classificar uma obra de arte nesse ou naquele estilo, só porque carrega algumas de suas características.
A arte mageliana é caracterizada pela possibilidade de inserção de elementos a qualquer momento. Ela nunca está acabada: um botão, uma tampinha, um fuxico, um ponto de bordado, qualquer coisa pode ser acrescentado, sem, no entanto, afetar o conjunto. O inusitado e o tradicional em perfeita harmonia.  Nela está presente a possibilidade de transformação, formação e incessante mutabilidade. Foi dessa infinita possibilidade de mutação na criação dos seus trabalhos que Magela inspirou a autora a definir seu estilo como “arte mageliana”. Por entender que é justamente essa irreverência do artista que torna sua arte diferente das demais definidas como arte popular. A perfeita interação entre materiais recicláveis e orgânicos.
Pelas mãos de Magela, pequenos objetos, restos de material perdem sua função real e se transformam em recursos artísticos que vão colorir e dar vida às suas telas.
Geraldo Magela é um artista sensorial, distante da cor, da forma e da textura. Seus sentidos se concentram nas águas do rio. Um artista orgânico. Os objetos possuem vários contrastes, não se amolda a modelos europeus que aprisionam a obra de arte contemporânea.” [5]
O resultado é uma obra densa, envolvente, corajosa, alegre e cheia de sentimentos. A arte de Magela é desenhada e bordada ponto-a-ponto, com miçangas, pequenas miudezas recolhidas nas ruas, no leito do rio. Pequenos pedaços de objetos que encontram em suas telas o seu objetivo final, ou seja,  exaltar a “devoção ao Rio Jequitinhonha, ao povo do Vale e às lendas e histórias contadas de geração para geração.”
Tudo pode ganhar sentido e vida através da imaginação do Artista Geraldo Magela.  Gamelas velhas são transformadas em oratórios ou enfeitadas com bandeirolas feitas de latas que retratam as tradições do interior. Velhos pratos servem como abrigo para os santos da devoção popular. Lantejoulas, pequenas miçangas, pecinhas de algum aparelho, sementes, brincos, pedaços de fitas emprestam seus brilhos e cores para compor a lendária cobra do rio, tão temida pelos que vivem às margens do Jequitinhonha.  Suas flâmulas retratam o Divino Espírito Santo e outros Santos, enfeitados pelos bordados e pelo macramé.
O jornal velho, as caixas de ovos são trabalhados para dar forma às máscaras e esculturas que se espalham pelas paredes do ateliê.
Enfim, a arte mageliana é uma mistura farta e rica. Suas telas estão repletas de cenas que falam do cotidiano de cada um.  São as galinhas d’angola,  as formigas, as bananas amarelas e gordas, o capoeirista, as roupas que balançam no varal, a sensualidade da roupa íntima e transparente. O quadro “o circo caiu do céu” o artista expressa toda  alegria e a incontida vitalidade do povo que se manifestam com a chegada dos palhaços, malabaristas, balões com suas cores vibrantes.  Nas suas telas Magela, retrata  os sentimentos mais simples, a verdadeira alma do povo do Vale do Jequitinhonha. Sua obra assume a verdadeira cara  do Vale, dá sua versão da estética da cor, da alegria, dos mitos e lendas do povo.
Suas telas falam da história da gente do Vale do Jequitinhonha, com seus  sonhos, suas lágrimas, seus prazeres e seu olhar tingido de horizonte.
O artista estima particularmente o objeto gasto e abandonado. Aproveita-o e, infunde-lhe vida novamente. Agrega em sua obra os trabalhos de  artesãos que um dia se ocuparam em dar forma à matéria bruta. 
A arte de Magela está em pleno processo de amadurecimento e afirmação da sua identidade. Cabe ao artista aproveitar a sua criatividade e o seu potencial para inovar a cada dia e consolidar seu estilo.
A experiência e a vivência adquiridas pelo artista já lhe permitem ousar mais, consolidando seu estilo numa clara indicação de consciência da sua importância artística e social.







ELAS GUIARAM SUAS MÃOS


Magela já sabia que era um artista. Mas faltava-lhe a técnica. E buscou, nas artistas plásticas, Helena Guimarães e Jumária, o aprendizado que o colocaria diante do seu destino. 
Para a artista plástica, Helena Guimarães, que não esconde sua admiração pelo artista, a arte está na alma de Magela.   Ele é corajoso, irreverente, um observador inquieto e criativo. Suas telas têm sua identidade.  Se uma tela sua fosse dividida em vários pedaços, cada pedaço seria uma obra de arte. A obra de Magela é inquieta, se mexe! Uma das características do artista é não projetar suas obras. Elas simplesmente vão sendo compostas à medida que lhe vem inspiração e, sobretudo criatividade, marca indiscutível do artista. Helena destaca a inteligência e o espírito lutador e sensível de Geraldo Magela, seu aluno mais dileto.  Esse jeito de produzir sem esboço, é uma influência da própria Helena, que assim como Magela vê nas telas um alvo para exprimir toda sua liberdade e criatividade.
Jumária, artista plástica, conhecedora e admiradora da obra de Magela. Para ela o trabalho do artista é caracterizado pela forma como ele usa os vários tipos de matéria-prima para construir a idéia e chegar à arte final. Magela garimpa desde a sucata até a tinta para a composição do seu trabalho. Para Jumária, o artista Geraldo Magela, é um construtor eclético, que além de criar, personaliza idéias, enriquecendo-as com técnica mista, várias texturas, tintas diversas e colagens,  impregnando-as com sua identidade.
Segundo a artista plástica, a construção da arte é uma expressão da sua criação interna.  O artista pincela com seus sentimentos, de acordo com suas fases.  O trabalho do artista acompanha seu espírito.  E Magela não foge à regra, sua arte é uma expressão diversificada, uma busca constante do aprimoramento e enriquecimento do seu estilo e consagração da sua identidade.
Jumária ver no artista um potencial muito rico, que desde o início já revelou talento e sabia o que queria. Ele tem a facilidade de agregar idéias, matérias-prima, cores forte num trabalho rico e criativo.
Ambas se consideram apenas instrumentos que serviu para alavancar o talento de Magela, para empurrá-lo a dar o primeiro passo.  Pois, para elas, o artista já existia dentro dele.  Só precisava aperfeiçoar o talento, e isso se faz todo dia na busca constante do tom certo de finalizar a abra no seu todo, e apresentar aos olhos do mundo o seu próprio retrato.


O RIO QUE INSPIRA.

“Um rio traça seu perfil no mapa de Minas. Um rio traça seu caminho nos mapas da emoção.”
Ronald Claver[6]

O Rio Jequitinhonha, que nasce na Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, e desemboca na cidade baiana de Belmonte, teve sua trajetória de povoamento e degradação ligada à exploração dos recursos naturais. Mas, ainda hoje, agonizante, é fonte de sobrevivência e inspiração para aqueles que refrescam em suas águas a alma de um povo que não se cansa de lutar e de sonhar.
O Rio Jequitinhonha é um verdadeiro monumento natural. Às suas margens nasceram e nascem grandes homens e mulheres. É ele que inspira  artistas, músicos e artesãos. Lindas canções foram criadas a partir de sua essência. O rio é a alma do povo do Vale.  Desde a sua nascente, em Diamantina até a sua foz em Belmonte-BA, o Rio Jequitinhonha vivencia as diversidades econômicas e sociais, é fonte tanto de material como de inspiração para a rica cultura do Vale do Jequitinhonha. O Rio e suas lendas povoam o imaginário popular de todos que se banham em suas águas.  E sendo Geraldo Magela, um filho nascido e criado às margens do Jequitinhonha é natural que buscasse inspiração em suas águas.
Da Janela do seu ateliê, avista-se o rio que corre como uma grande serpente. Suas águas trazem de longe o material que vão compor as telas de Magela.  Caminhando sozinho pelas suas margens, vai recolhendo tudo que foi descartado pelo homem, material que perdeu seu valor e sua forma.  Mas que ganhará vida e emprestará beleza ás criações do artista.  Os materiais agregados cumprem também sua função de denunciar o descaso com o rio e com a natureza, numa clara demonstração da consciência ecológica do artista.  Magela traz na sua alma e na sua retina, a beleza do Rio que pede socorro sem perder a poesia.


O VALE DO JEQUTINHONHA


Vale do Jequitinhonha. O Vale do pôr-do-sol que resplandece em ouro. O Vale Dourado.
O Vale do Jequitinhonha situa-se numa área de 71.552 km² no nordeste de Minas Gerais, é considerada uma das regiões mais desfavorecidas do país no que tange aos aspectos econômicos e sociais. Esse Vale da onde saiu grande parte da riqueza do Brasil se tornou uma das regiões mais pobres do país.  Mas, citando Geralda Soares: “Nós sabemos, porém, que o Vale não é uma região pobre. É, sim, uma região empobrecida por todo este passado de depredação.”[7]
Ainda há muita riqueza no Vale do Jequitinhonha. Seja a riqueza escondida no solo na forma de ouro, diamante e pedras preciosas. Seja, sobretudo, a riqueza cultural do povo do Vale.
Seja pelo artesanato, conhecido internacionalmente, seja pelos músicos que do Jequitinhonha despontaram para o mundo, a arte do Vale é uma das principais formas de superação da miséria.  Em  meio à tamanha diversidade e da miséria que deixa o mundo sensibilizado, o Vale do Jequitinhonha não se priva de revelar suas preciosidades. Sua história de luta e superação, seu encanto pelas mãos de tecelãs, artesãos e artistas plásticos que se não se cansam de mostrar que fazem da sua arte um apelo ao belo, à estética, à valorização do Vale.
Nesse contexto está inserido o artista Geraldo Magela, plenamente consciente das mazelas do Vale. Plenamente consciente do potencial e da riqueza cultural do povo e do Vale!
Magela traz em suas telas a alma, o imaginário, o cotidiano, as lendas e as tradições do Vale. Poderia ter ido em busca de outros lugares onde seu trabalho fosse valorizado. Mas prefere refugiar-se no pequeno povoado de Guaranilândia e ali desfiar sua criatividade, sua habilidade com os diversos instrumentos e materiais que o Vale despojadamente lhe fornece.   Magela se sente à vontade para manifestar sua expressão artística, que pode ser ás vezes religiosa, outras vezes profana. Ás vezes inovadora e criativa, outras vezes uma releitura de trabalhos já conhecidos. Contudo, sem deixar de imprimir em cada uma delas, sua identidade, sua criatividade e seu jeito irreverente de ser.




CAPÍTULO 4
A ARTE ROMPE  FRONTEIRAS
MAGELA ALBUQUERQUE EXPÕE E EXPORTA.


Aos poucos, Magela ocupa galerias, espaços acadêmicos,  mostras na cidade de Trancoso-BA que expõe sua obra  ao público de todos os lugares que visita este paraíso .
Todo ano, nos primeiros dias de maio, a UFMG se encanta com a feira de artesanato do Vale do Jequitinhonha, que acontece na Praça de Serviços. A beleza das peças, tão singulares, mistura-se à alegria dos artesãos. Todo artesanato do Vale está ali representado..
Há quatro anos Magela expôs alguns trabalhos nesta feira realizada pelo Pólo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha. Durante a exposição, o artista de Guaranilândia ausentou-se para conhecer o campus da universidade, ao retornar entrou em pânico, notando que suas peças haviam desaparecido. Qual não foi a sua surpresa ao saber, que na verdade suas obras haviam sido vendidas. Uma das gamelas-oratório havia sido adquirida e exposta na reitoria da universidade.
Magela foi premiado pela sua participação na exposição realizada pela fundação de Arte de Ouro Preto – FAOP.  Tem um de seus trabalhos ilustrando a capa do livro “Chico, o caminhador”, de Fernando Brant e Ana Raquel.
Seus trabalhos, expostos em Trancoso-BA, têm admiradores e consumidores fiéis.
Segundo Lucy Dias[8] “Tudo em seu trabalho tem pulso e alma. Uma pescaria no grande inconsciente brasileiro, interiores e fundo de quintais. Arte vinda de um Brasil profundo, que a gente ama e quer.”
Por duas vezes, o artista Magela, a convite da Juíza de Direito, Drª Beatriz Junqueira Guimarães, expôs seus trabalhos no Fórum de Almenara, onde pode ser observada e apreciada por um público bem diversificado.
Recentemente, expôs algumas de suas obras, na Unipac – Almenara, durante uma homenagem  lhe prestada pelos acadêmicos do curso de História.  Ocasião em que a acadêmica Elane Farias,  apresentou uma música feita especialmente para o artista.
A artista plástica, Helena Guimarães, desvenda numa poesia dedicada ao artista,  a alma, os sonhos, a criatividade e as fontes de inspiração para o talento artístico de Magela Albuquerque, como se vê na transcrição abaixo:
MAGELA
Helena Guimarães Pequeno.
Magela... das
águas claras,
Das praias de areias
raras...
na casa do Guarani.

Amando com
criatividade
tecido e peças rústicas
em coisas que nunca
vi...
Dos seus beijos
e abraços,
seus toques e seus
afagos,
mãos que se transformam
nesta margem do
Jequi.
E o Rio que nunca
fala,
Deste amor que tem
aqui.




CONCLUSÃO


Como este trabalho foi estruturado em capítulos independentes que contêm suas próprias conclusões, restam finalmente, as últimas considerações em torno da arte mageliana.
 A natureza versátil e irreverente do artista Magela Albuquerque é material para a construção dos seus trabalhos que se amoldam e se transformam sem perder a identidade da arte de Magela.
Dessa forma, torna-se temeroso catalogar os trabalhos do artista nesse ou naquele estilo. Clássico ou popular?  Primeiramente, é preciso reconhecer que o diálogo entre os artistas populares e os eruditos está, sem dúvida, mediado pelo problema do poder entre os saberes. De um lado estão os universitários, aqueles que “produzem os conhecimentos reconhecidos pela sociedade” através de teses, publicações de livros etc. Do outro, os espaços onde são produzidos conhecimentos de outra ordem, conhecimentos que nascem do fazer, que têm a experiência como a grande fonte.
O que se percebe é que o artista desafia os limites da arte popular para marcar seu próprio estilo. É a própria essência da arte contemporânea que permite a produção sem estigmatismos, seguindo seus próprios modelos, sua imaginação.
Os trabalhos de Magela são capazes de promover a divulgação das tradições, mitos e lendas inseridas na cultura do seu povo. As pessoas comuns, que não são especializadas em arte, são capazes de compreender e se sentirem inseridas nos trabalhos de Magela. Seja no  aspecto cultural, seja no aspecto social ou religioso, uma vez que a  arte de Magela tem a ver com as suas vidas.  
Magela trabalha como se respira: de fora para dentro e de dentro para fora. Ele tanto absorve, como emana experimentos e criatividade. Dessa forma o artista se liberta do fantasma da autenticidade, para dar aos seus trabalhos uma dinâmica de interação, de livre criatividade, que certamente, enriquece suas obras, diversificando ainda mais o seu estilo.  Mas essa apropriação não descaracteriza  a sua identidade. O artista age sob a ética da diferença, baseada na liberdade de mover-se cruzando idéias e estilos a fim de prosseguir na construção da sua própria autonomia artística.
Enfim, a arte Mageliana tem algo de camaleão. Não tem vocação.  Está aberta à transformação, embora tenha suas próprias características. É singular e é plural ao mesmo tempo.  Pode refletir todos os pensamentos. É uma arte híbrida, impura. Sempre na expectativa de ir além dos limites, por isso mesmo muito abrangente, e é essa abrangência que a torna pura e diferente, por mais paradoxal que isso possa parecer. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BAUMGART, Fritz; Breve História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2007
CABANNE, Pierre; Marcel Duchamp: Engenheiro do Tempo Perdido. São Paulo: Perspectiva, 1987.
COLI, Jorge;  O que é Arte. São Paulo: Edit. Brasiliense, 1995
MASCELANI, M. Ângela dos Santos; O mundo da arte popular brasileira. Rio de Janeiro: Museu  Casa do Pontal, 2006
MORENO, Cézar; A Colonização e o Povoamento do Baixo Jequitinhonha no Século XIX: A “guerra justa” contra os índios. Belo Horizonte: Canoa das Letras, 2001
PEQUENO, Helena Guimarães – entrevista realizada em 21/04/2008 – Almenara
CUNHA, Jumária – entrevista realizada em  23/04/2008 - Almenara
www.almg.gov.br/bancoconhecimento/monografias/relatorio%20jequitinhonha.pdf - pesquisa realizada em 05/04/2008.
www.historiadaarte.com.br - pesquisa realizada em  08/04/2008
revistaraiz.uol.com.br/fronteiras/index.php – pesquisa realizada em 18/04/2008
www.professordehistoria.com/artesplasticas/ - 8k – pesquisa realizada em 28/03/2008

GLOSSÁRIO


MARCHAND:  Profissional que tem como atribuição escoar a produção artística, comprando, vendendo e fazendo intermediação de obras de arte, promovendo os artistas plásticos e assessorando os compradores em potencial.
MACRAMÊ: é uma técnica de tecer fios que não utiliza nenhum tipo de maquinário ou ferramenta. Utiliza somente as mãos. Trabalhando com os dedos, os fios vão se cruzando e ficam presos por nós, formando cruzamentos geométricos, franjas e uma infinidade de formas decorativas.
NAIF: Estilo a que pertence a pintura de artistas sem formação sistemática. Trata-se de um tipo de expressão que não se enquadra nos moldes acadêmicos, nem nas tendências modernistas, nem tampouco no conceito de arte popular. 
POLICROMATISMO: Multiplicidade de cores.





[1] Damien Hirst é um dos mais importantes e polêmicos artistas britânicos da atualidade, tendo conseguido sua ascensão especialmente nos anos 90, dedicando-se a temas como religião e morte.
[2] Giorgio Visari, biógrafo de Leonardo da Vinci.
[3] A Historiadora Cristiane Maria Magalhães, foi professora de História Contemporânea – Unipac Almenara –2007. Em visita ao ateliê Aldeia Mundi, foi instigada, talvez a emitir a sua reflexão daquela arte que a sensibilizara.
[4] Antonio Marcos Pereira – “Tonico”, morador do povoado de Guranilândia que aprendeu o macramê com D. Clemência  de Oliveira Lima – mãe de Geraldo Magela.
Ronicássio Timóteo da Silva – “Roni”,  artesão-aprendiz, filho de Almenara. Mais do que um ajudante é um observador crítico e parceiro de inspirações.
[5] Prof. Magno Reis – Ouro Preto-MG – Brasil – Jornal Vigia do Vale – nº 788 – 15/08/2000
[6] Ronald Claver, mineiro de BH, poeta e escritor, autor de vários livros, entre eles Senhora do Mundo, prêmio  cidade de Belo Horizonte, 1982

[7] Geralda Soares: educadora e indigenista, natural de Santana de Itinga. Desde 1980, seu tempo é de total dedicação e apoio solidário aos Povos Indígenas de Minas Gerais.
[8] Lucy Dias:  Jornalista e escritora. Vencedora do prêmio Jabuti  - Trancoso-BA-2004






                                 2 RESSIGNIFICANDO A CULTURA POPULAR BRASILEIRA
                                                  PELA OBRA DE MAGELA ALBUQUERQUE
                                                         Telles, Beatriz Marcos1


              “A vida, como o rio, se confirma nos sustos, nos
                    redemoinhos que as pedras causam, mas logo
                    à frente acalma-se, no fundo macio de areia,
                    alegre de nenhuma ameaça. A vida e o rio
                    quedam ante a lei da gravidade e ensinam que
                    todos os desejos se vão, mas ficam as memórias.
                    O Jequitinhonha é professor para quem tem
                              humildade de aprender”.
                            Marcos Lobato Martins


O Vale do Jequitinhonha situado no nordeste de Minas Gerais tem contribuído a muitas pesquisas sobre sua cultura, artesanato, música, lendas. O Rio Jequitinhonha que serpenteia a região interligando morros, vilarejos e fazendas participa e inspira seu povo com sabedoria, como destaca Magalhães (2009).

O artista Geraldo Magela Lima de Albuquerque, mineiro oriundo de Guaranilândia desenvolve sua arte incentivado por esta sua região, por meio de tintas, linhas, colagens, jornais, revistas, tecidos, bordados, resíduos e criatividade.

Em suas obras Magela recicla vários elementos descartados pela comunidade, que chegam muitas vezes trazidos pelo Jequitinhonha: tampinhas de pasta dental, pedaços de fita métrica, pedaços de garrafas pet, latinhas, peças de computador e aparelhos eletrônicos, restos de linha e tecidos, dentre tantos outros que nas mãos do artista ganham história e se contextualizam, interligando espaços. Magela resgata a cultura popular por meio de releituras diversas de personagens lendários como sacis, curupiras, mulas sem cabeça, dialogando com elementos do sagrado e do profano.

Dentre quadros, estandartes, oratórios, divinos, gamelas decoradas e rosários, o artista desenvolve sua arte e realiza oficinas despertando o interesse de várias instituições de ensino que inserem obras do artista no seu cotidiano educacional.

1 Beatriz Marcos Telles: Professora Universitária; Consultora em Educação para Sustentabilidade, Personal e Professional Coaching. Mestra em Administração/Organizações e Sociedade-PUC/SP; Especialista em: Design Instrucional para Ead Virtual: Tecnologias, Técnicas e Metodologias-UNIFEI/MG; Administração Empresas-FAAP/SP; Graduada em Tecnologia em Processamento de Dados– UFSCAR/São Carlos/SP); Membro dos grupos de pesquisa GEPI e NEF da PUC/SP.

Considerando que a arte pode ser integrativa e facilitar à humanização, que pode ser praticada com apoio dos princípios interdisciplinares, adentramo-nos no trabalho artístico de Magela Albuquerque.

A obra ‘mageliana’ se destaca pela criatividade, sensibilidade, vivacidade pelo uso de cores fortes, integração de objetos descartados e poluentes ao meio ambiente, união de técnicas diversas de bordados e macramês com forte intuição, fazendo releituras de elementos da cultura popular brasileira e de toda uma história de vida no Vale do Jequitinhonha.

Alguns professores já têm se inspirado pela obra ‘mageliana’ em suas disciplinas, como foi o caso da professora de Artes Visuais Marina Tissiani, da Escola Parque 210 norte em Brasília (DF), que nos concedeu uma entrevista informal virtual, em 21/02/2014. Tissiani conheceu a obra do artista Magela em Trancoso (BA) e teve a ideia de usá-la como inspiração e pesquisas no seu contexto educacional que se referia ao tema norteador em 2012 - cultura popular - com alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental.

Uma oficina com dez encontros aconteceu para realização de estandartes onde foi feita a releitura de obras dos artistas Magela e Galeno (artista de Brasília). Fez-se necessário o envolvimento de saberes de Música, Dança, Geografia, Biologia e História, pois o trabalho incluía, além da elaboração do estandarte e procissão, pesquisas sobre cultura, região, santos, costumes e crenças.

Sabemos que a forma como o conhecimento é apresentado ao aluno pode sinalizar avanços ou retrocessos nas questões educacionais e a interdisciplinaridade pode facilitar os processos educacionais.

                                          A interdisciplinaridade, portanto, tem como função integrar a colcha de                                                   retalhos de competências altamente desenvolvidas e                                                                             de interesses diversificados e muitas vezes antagônicos. Esta integração é                                               uma organização que tem lugar na mente do aluno, provocada pela                                                          forma como o conhecimento lhe é apresentado. (BARBOSA, 2008, p.4).                                                                                                                                          

Pesquisas diversas apontam sobre a interferência positiva da arte no desenvolvimento da cognição para outras áreas de conhecimento.

Encontramos como característica da interdisciplinaridade a “articulação entre teorias, conceitos e ideias, em constante diálogo entre si [...] que nos conduz a um exercício de conhecimento: o perguntar e o duvidar”. (FAZENDA, 1997, p.28).

Diante do exposto, compartilhamos o início de nossa pesquisa sobre a obra ‘mageliana’ no sentido de traçar paralelos entre o trabalho do artista e princípios e práticas interdisciplinares, investigando as possibilidades de se aprender por meio da arte!

Apresentamos algumas obras do artista, que já expôs na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e na FAOP (Fundação de Arte de Outro Preto).








Ilustração da capa do livro de Fernando Brant e Ana Raquel.2


  








                                                20 ANOS VIGIA DO VALE
                                             N. 788 ALMENARA; 15 DE AGOSTO DE 2000
         MAGELA ALBUQUERQUE – ATELIÊ ALDEIAMUND -

ESTAR  EM  MINAS  GERAIS





´´Conta a história que o rei Salomão podia falar com as bestas, as aves,os peixes e os gusanos.´´Assim também faz Geraldo Magela Lima de Albuquerque. Ao recolher fragmentos de vidas mortas para poder compreendermos que o lado poético da morte é, realmente, a vida. Portanto, ao construir suas obras ele da vida à morte.
A convite da artista Maria Amélia Guimarães  fui a cidade de Jequitinhonha. E, a noite visitamos a casa, ateliê do artista, no distrito de Guaranilândia, onde comemos galinha com arroz e conversamos sobre arte. Geraldo Magela fez uma casa na margem do rio Jequitinhonha para morar e entregar-se livre da perturbação e humilhação dos centros urbanos á  arte e seus devaneios. Constrói sua casa ateliê e seu sonho como pode. Afinal, qual é o sonho de Geraldo Magela? Enquanto o sol ilumina as águas do rio , Geraldo Magela caminha descalço pelas margens do rio recolhendo tudo que encontra: cacos de louça, pedaços de azulejos,telhas,pedras, faróis de carro, concha de marisco, lâmpadas queimadas e gamelas. Ao entrarmos, num pequeno quarto da casa vir um altar composto de oratórios remendados com pedaços de lata enferrujadas e velas acesas, chorei porque encontrei a morte a vida. Ante os santinhos tive uma sensação – de plantar-me no umbral de um segredo revelado que me enlatará com um todo ou completo – Chama–se unidade do existente – a traves da contemplação – falar do rio que está morrendo. Mas o que é compreender a gamela morta com curativos  de lata enferrujada que ganham vida como oratório? Geraldo Magela é um artista sensorial distante da cor da forma e da textura seus sentidos concentram se nas águas do rio . Um artista orgânico. Os objetos possuem vários contrastes , não se amolda a modelos europeus que aprisionam a obra de arte contemporânea. A força da gamela ´´Reencontro com Deus´´, está nos ícones que são pequenos manifestos em defesa da vida. O universo de Geraldo Magela é democrático e igualitário.





Ele coletou objetos diferentes sem viajar, porque a água do rio trouxe para a  margem do rio que atravessa sua vida e sua casa ateliê. Enquanto as velas iluminavam os santinhos que ganham vida dentro das gamelas, eu pensava: de onde veio esta gamela? A quem pertenceu esta gamela , com muito capricho e paciência , Geraldo magela montou com fragmentos de vidas para declarar AMOR A VIDA . O resultado é um a obra envolvente,  provocante , densa e cheia de sentimento.Volto agora os olhos a gamela ´´reencontro com deus´´, onde Geraldo faz um antigo tema iconográfico, no que São Francisco de Assis decursa a aves no campo . Em Assis, Giotto também representou esta cena .Mas no oratório –gamela de Geraldo Magela vemos a figura recortadas pela ferrugem . Qualquer artista que deixa sua mão mergulhar na água do Jequitinhonha , pergunta : A mão que desenha na água. Perde seu traço para peixinhos que resistam a degradação do homem pelo conteúdo - esse traço é uma denúncia. Como o santo que conversa com a s aves, o artista ler em meio desse dilema, agora na obra recente de a Geraldo Magela, uma gamela viajou pelas águas do rio  par voltar ser à  VIDA. essa experiência estética do objeto utilitário que ressuscitou para ser arte.  Arte e seu reflexo, a arte e sua obra , a arte entre os objetos , a arte nunca vista, a arte mental. Isso somado ao universo oferece a nossa compreensão. A água que transporta fragmentos da vida- todo tempo estamos na origem do tempo. Então afirmar que aquele que reencontrar com Deus nas gamelas de Geraldo Magela poderão  conversa com os peixinhos do Rio Jequitinhonha.  O sonho de Geraldo magela é transformar sua casa  onde o artista do vale possa habitar sua própria obra  e de mostrar com as obras que a região do Vale também sabe fazer essa coisa que a grande metrópole chama de arte´´
FAOP
FUNDAÇÃO DE ARTE DE OURO PRETO.
Prof. Magno Reis

OURO PRETO-MG-BRASIL









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