ngaura


                                                        Ciclo – Ordem Natural


               
                  magela albuquerque

Guaranilândia, distrito de Jequitinhonha, MG, banhado pelo rio Jequitinhonha,  foi cenário de muitas vivencias doces e amargas.
Lugar que me acolheu, que me fez entender a arte que corria nas minhas veias. Que me fez apurar os sentidos para um universo que sabia que existia, mas que ainda não havia experimentado com a intensidade que podia e desejava.
Mas que também evidenciou a degradação do rio, a degradação das matas sofridas com a prática das queimadas. Tudo para servir ao Homem.
Da janela do ateliê testemunhava a morte lenta e cruel do lugar que pra mim significava começo.
O rio me trouxe o que já não servia mais aos outros, mas que na minha visão, tinha aroma de primavera, tempo em que a vida explode em infinitas possibilidades.
Utilizei os materiais que coletei nas margens do Jequitinhonha para resignificar  sua existência já preterida. Da morte, veio a vida.
Nascem daí as árvores ausentes do meu olhar diário. Nascem as árvores do Brasil, inventadas a partir do reaproveitamento e reutilização daqueles objetos coletados á margem do rio Jequitinhonha, devido ao assoreamento sofrido pelo mesmo diariamente.
Na construção deste percurso, mergulhei fundo na natureza cíclica do universo.
Viajei para outros começos, agora na região de Trancoso, sul da Bahia, onde entendi que entre as gerações de árvores, algo mágico acontece.
Percebi esta magia durante minhas andanças em dias ensolarados ou chuvosos, na busca de sobras cheirosas e com barulho de vida. Comecei a observar no chão sob os meus pés, milhões de folhas caídas das árvores, que se misturavam a  flores, frutos, bichinhos, entre eles formigas, aranhas, lagartos, etc.
A imagem que se formava era tão bonita que fotografei.
A partir daí, observar este chão, diferente, com vida e som, se tornou um objetivo diário. Me enchia de paz ao olhar aquelas folhas que se misturavam com a sua própria degradação, possibilitando o surgimento de outras formas e cores.
Esta busca constante acabou gerando um acervo fotográfico.
Em Bragança Paulista, precisamente em Serrinha, onde moro há três anos, participo do festival conhecido como Arte Serrinha, descobri que este trabalho já tinha origem e nome de batismo, N’gaura. Foi uma descoberta feliz.
Na poesia se explica o que é o N’gaura:
O vôo das folhas
Com o vento as folhas se movimentam.
E quando caem no chão
ficam paradas em silêncio.
Assim se forma o N’gaura.
O N’gaura cobre o chão da floresta, enriquece a terra e alimenta as árvores.
As folhas velhas morrem para ajudar o crescimento das folhas novas.
Dentro do N’gaura vivem aranhas, formigas, escorpiões, centopeias, minhocas, cogumelos e vários tipos de outros seres muito pequenos.
As folhas também caem nos lagos, nos igarapés e igapós.  
Ticunas/Livro das Árvores
Neste contexto entendi como fui tocado pela magia proporcionada pela natureza e quanto meu trabalho ganhou outras dimensões.
A obra N’gaura ganha vida e é exposta no festival de Arte Serrinha, transformando-se em instalação musical para os artistas Raquel Coutinho, Manuela Romero, Matheus Pamessa e Guilherme Teixeira.
A convite do Veredas ateliê, sob curadoria de Clarisse Romano, cria-se a primeira obra em tela intitulada N’gaura Chão de Trancoso.
Fazer este trabalho desperta a necessidade quase urgente de se apurar o olhar para o cotidiano que não se vê, que respira em silêncio e que por isso é capaz de provocar transformações tão exuberantes.
Evidencia os ciclos, dos quais somos feitos. Ressalta o estado de morte, como forma fundamental, pra surgir vida nova e pulsante.
O propósito aqui é chamar atenção pra este universo, das mudanças pequenas, miúdas, quase invisíveis.
Chamar atenção para o que está entre o começo e o fim e que as pontas destas fases estão sempre conectadas, num perfeito e contínuo movimento cíclico.

Se morre para viver, se vive para morrer.


Festival de arte serrinha,

magela albuquerque


3 comentários:

Unknown disse...

Parabéns meu filho!muito lindo!

Andrew disse...

Belíssimo!

Anônimo disse...

Parabéns muito bom