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A ARTE “MAGELIANA”
ALMENARA
2008
MARILENE DIAS BARROS ROCHA
A ARTE “MAGELIANA”
Trabalho Científico de conclusão de curso apresentado à UNIPAC – Universidade de Almenara. Sob a orientação da professora Msc. Tânia Maria Santana Botelho.
ALMENARA-MG
2008
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................
Cap. 1 – A arte através dos tempos................................................................
Cap. 2 – Magela Albuquerque..........................................................................
2.1 Sua origem...............................................................................
2.2 - Nasce o artista
2.3 - O artista não trabalha sozinho
Cap. 3 – A arte Mageliana
3.1 - Conceito e características
3.1 - Fontes de inspiração
3.2.1 – O Rio
3.2.2 – O Vale do Jequitinhonha
3.2.3 – Elas guiaram suas mãos
Cap. 4 – A arte rompe fronteiras
4.1 - Magela Albuquerque expõe e exporta.
Conclusão
RESUMO
Este trabalho nasceu sob a pretensão de traçar um conceito da arte produzida por Magela Albuquerque. Logo de imediato, a autora percebeu que se tratava de uma ambição além do seu alcance. Limitou-se, portanto, a descrever as humildes percepções sobre o trabalho artístico criado por Magela, artista do Vale do Jequitinhonha que destaca pela diferenciação com os trabalhos normalmente produzidos na linha popular. Mostrar o que há de diferente na arte de Magela, que embora se enquadre nos moldes da arte popular, ainda assim, a sua criatividade dá o toque que a diferencia dos outros trabalhos sem deixar de privilegiar e interpretar a realidade local. Tudo é aproveitado para realizar uma produção artística rica, criativa, única e própria. Ainda que, usando matéria-prima rústica, não se exime do seu forte poder de comunicação, e mesmo sem pretender ser didática, dá exemplo de respeito ao meio ambiente e à cultura local. O artista estima particularmente o objeto gasto e abandonado. Aproveita-o e, infunde-lhe vida novamente. Agrega em sua obra, os trabalhos de artesãos que um dia se ocuparam em dar forma à matéria bruta. Magela se sente à vontade para manifestar sua expressão artística, que pode ser ás vezes religiosa, outras vezes profana. Ás vezes inovadora e criativa, outras vezes uma releitura de trabalhos já conhecidos. Contudo, sem deixar de imprimir em cada uma delas, sua identidade, sua criatividade e seu jeito irreverente de ser.
INTRODUÇÃO
Este trabalho nasceu sob a pretensão de traçar um conceito da arte produzida por Magela Albuquerque. Logo de imediato, a autora percebeu que se tratava de uma ambição além do seu alcance. Limitou-se, portanto, a descrever as humildes percepções sobre o trabalho artístico criado por Magela, artista do Vale do Jequitinhonha.
Residindo no pequeno povoado de Guaranilândia, município de Jequitinhonha, o artista dá asas à criatividade e lança em suas telas os mitos e o imaginário do povo do Vale do Jequitinhonha.
As origens do distrito de Guaranilândia remontam ao início do século XIX, quando a Coroa Portuguesa incentivou a ocupação da bacia do Jequitinhonha, com o objetivo de impedir o contrabando de ouro e diamante extraídos na região. Conforme descrição de Saint-Hilarie, a região era rica em fauna e flora, além dos cobiçados minerais. Era habitada por diversas tribos indígenas. O distrito recebeu o nome de Aldeia do Farrancho e era habitado pelos índios Maxakali. O distrito de Guaranilândia nasceu do confronto entre índios e colonizadores. Os habitantes da antiga Aldeia do Farrancho trazem nos traços físicos e nos costumes a influência da miscigenação indígena e africana. Ainda hoje a cerâmica utilitária produzida ali, herança do Maxakali, é reconhecida em toda região.
No entanto, a criação artística de Magela se destaca pela diferenciação com os trabalhos normalmente produzidos na linha popular. Esse é talvez o grande desafio deste trabalho. Mostrar o que há de diferente na arte de Magela, que embora se enquadre nos moldes da arte popular, ainda assim, a sua criatividade dá o toque que a diferencia dos outros trabalhos sem deixar de privilegiar e interpretar a realidade local.
O interesse da autora pela arte de Magela Albuquerque nasceu de uma visita que os acadêmicos do curso de História, fizeram à casa-ateliê em meados de outubro de 2007. A partir do encontro com o artista e seus trabalhos, percebeu-se a necessidade de decifrar as influências e objetivos contidos em suas telas. A importância dessa pesquisa monográfica se faz pela necessidade de esclarecer o conceito “arte mageliana” e, sobretudo, para cumprir exigência de trabalhos para conclusão de curso. Além disso, acredita-se que o tema da pesquisa é importante para divulgação e valorização da arte e do artista. Embora, já existem alguns estudos sobre artistas do Vale do Jequitinhonha, Magela ainda não foi estudado com a devida atenção e reconhecimento, apesar de uma produção diversificada de quase uma década.
As anotações feitas até hoje sobre o artista foram elaboradas a partir do olhar curioso de cientistas e acadêmicos que se deliciam com o seu jeito não convencional de produzir, no entanto, não compreendem o imaginário coletivo e o contexto que o artista está inserido. Por isso, a despeito de tudo o que já foi dito, a presente pesquisa feita sob as percepções de alguém que se sente inserido nas representações artísticas do Magela, tem a pretensão de divulgar a arte que se faz a partir do que se tem em torno de si. Ainda que, usando matéria-prima rústica, não se exime do seu forte poder de comunicação, e mesmo sem pretender ser didática, dá exemplo de respeito ao meio ambiente e à cultura local.
Para elaborar este trabalho foram usados todos os parâmetros de arte vistos durante o curso de História, mas especificamente nas disciplinas de História da Arte e História Local. A partir das pesquisas bibliográficas, leituras e percepções, análise das pesquisas e textos feitos por admiradores da arte de Magela. Foram feitas visitas “in loco” para observar as características da obra e entrevistar o próprio artista no espaço de gestação artística. Procurou-se ainda manter contato com os ajudantes do artista no seu ateliê. Buscou-se depoimentos destes para averiguar como são influenciados pelo artista. As criações artísticas de Magela permitem que outras mãos completem seu acabamento. O macramê, o fuxico, pequenos bordados ficam por conta das mãos habilidosas de Tonico e Ronicássio, que conseguem captar as intenções do artista. Além de conversar com pessoas que conhecem Magela e entendem o seu jeito de produzir arte.
Utilizou-se como método de abordagem, o dialético. Os métodos de procedimento foram os métodos: histórico e monográfico.
É uma pesquisa que faz abordagem numa perspectiva antropológica e cultural.
O trabalho foi dividido em quatro capítulos. Para iniciar, o capitulo um faz uma abordagem sobre a arte através dos tempos, para efeito de esclarecimento e compreensão da evolução da arte e suas influências no objeto a em foco neste trabalho. Para isso, valeu-se, entre sites e reportagens, do livro de Jorge Coli (1995), O que é Arte. No capítulo dois é apresentado o cidadão Geraldo Magela Lima Albuquerque, suas origem, sua infância e influências que o levaram a se tornar um artista plástico. Neste capítulo utilizou-se do artigo: “Magela: um artista não compreendido”, de autoria da Mestra em Educação: Tânia Maria Santana Botelho, além da entrevista com o próprio artista.
No terceiro capítulo, procurou-se traçar um conceito para a arte de Magela. Fez-se um paralelo com tudo aquilo que é fonte de inspiração para o seu trabalho. Desde um simples pedaço de bijuteria até peças para reciclagem recolhidas das margens do rio Jequitinhonha. Tudo é aproveitado para realizar uma produção artística rica, criativa, única e própria. Esclarece ainda a importância e a influência do Rio Jequitinhonha e do cotidiano do Vale na arte de Magela. Neste capítulo utilizou-se do livro de Ângela Mascelani, “O mundo da arte popular brasileira” (2006), do trabalho da historiadora Cristiane Maria Magalhães, “A arte do Vale do Jequitinhonha pelas hábeis mãos de Magela Albuquerque”, além de sites sobre a História da Arte.
No quarto capítulo a arte de Magela Albuquerque já está cristalizada e pronta para se mostrar e encantar outras paragens. Nesse capítulo foi feito um breve histórico de exposições das peças feitas pelo artista e da receptividade que as suas obras encontram além-Vale do Jequitinhonha. Para elaborar este capítulo foram feitas entrevistas com Dona Helena Guimarães e Jumária Cunha, ambas as artistas plásticas residentes em Almenara.
Ao final, resta, portanto, as análises e conclusões a respeito da arte e do artista e os obstáculos superados para ver seu trabalho valorizado e reconhecido dentro do meio que é também fonte de inspiração.
CAPITULO 1
A ARTE ATRAVÉS DO TEMPO
"... Não gosto da idéia de que uma obra de arte tem de ser executada por um artista. É uma idéia antiquada. Os arquitetos não constroem eles mesmos as suas casas...".[1]
Damien Hirst
O conceito de arte tem mudado ao longo do tempo. Porém é certo que a arte deve interrogar, fazer pensar, intuir, estimular o sentir e o reagir do homem e ampliar sua sensibilidade.
Jorge Coli (1995) mostra em seu livro “O Que é Arte” que, para definir o que é ou não é arte, a cultura possui instrumentos específicos que conferem ao objeto o estatuto de arte, um deles é o discurso sobre o objeto artístico. Uma análise crítica de um especialista em arte que tem competência e autoridade para julgá-la arte ou não e a partir de seus conhecimentos pode classificá-la por diferentes estilos. Marcel Duchamp propôs que qualquer objeto poderia ser obra de arte. E quando Pierre Cabanne lhe perguntou: “Afinal, o que é arte?” A esperta resposta de Duchamp foi outra pergunta: “O que não é arte?” Duchamp conseguiu convencer a muitos que é arte tudo o que alguém diz que é arte. Mas a aposta de Duchamp não é que tudo, indiferentemente, seja arte, mas que tudo, na sua diferença, possa ser arte. E esta diferença deve ser entendida como afirmação da liberdade e criatividade humanas.
Encontra-se arte desde a humanidade remota até nossos dias e, certamente, a encontrará amanhã. Cada cultura possui saberes, códigos e valores próprios condicionando os sistemas de comunicação. Também de indivíduo para indivíduo, a arte varia caracterizando a capacidade de representação, sensibilidade, personalidade e interesses de cada um. Como é o caso da pintura rupestre, pura expressão de magia, por meio da qual procurava ter poder sobre o animal através da retratação da sua imagem. Nesse período, as várias formas de produção artística, buscavam de alguma forma trazer para o mundo mortal os valores do mundo divino. Esta visão de arte é especialmente encontrada nos egípcios e babilônios.
E, já ligada à inteligência, o artista grego tenta, através da arte, exprimir suas manifestações artísticas buscando o ritmo, o equilíbrio e a harmonia ideal. A arte grega era uma busca constante da perfeição e atinge os mais altos padrões de harmonia. Portanto, segundo o ponto de vista clássico, a arte é imitação da natureza, mas não se resume a um simples retrato dela, mas à busca de uma natureza ideal e universal. A busca deste ideal universal de natureza é, para a arte clássica, a busca da beleza universal, pois a natureza, sendo perfeita, é bela. Não existe separação, segundo este ponto de vista, entre arte, ciência, matemática e filosofia: todo o conhecimento humano está voltado à busca da perfeição. Os gregos são responsáveis também por uma série de avanços do ponto de vista técnico da produção artística.
A arte romana mesclada pela arte etrusca popular e pela greco-helenística retrata a realidade vivida, realçando a idéia de força e o predomínio do caráter sobre a beleza. É uma arte realista. Os romanos praticamente nada inovaram em matéria de arte. Mas sua contribuição original se dá, no campo da arquitetura, na valorização do espaço interno – até então totalmente negligenciado, e na compreensão da dupla importância, estética e estrutural, de elementos como o arco e a abóbada. Por sua forte dose de utilitarismo, a arquitetura romana se aproxima da arte moderna mais do que qualquer outra antiga. Além do mais, foram os romanos grandes engenheiros e resolveram certos problemas de engenharia de pontes e aquedutos por métodos ainda hoje úteis.
No mundo medieval, sob a influência do cristianismo, a arte se volta para a valorização do espírito. A arte nesse período é uma extensão do serviço divino e uma oferenda à divindade. A arte mais típica da cultura medieval foi o estilo românico, com suas catedrais em forma de fortalezas militares e imagens sem nenhuma consideração para com as características reais das coisas e dos seres representados. Suas figuras eram exclusivamente religiosas, de formas e expressões invariáveis, de volumes e dimensões uniformes, chapadas contra o fundo, quase suprimindo a idéia de espaço. Uma arte estática, rústica, inalterável e sagrada, como sociedade que ela representava.
Na última fase do período medieval aparece o gótico, uma arte de raiz germânica e que penetra pelo norte da Europa. O estilo gótico traz consigo a leveza e a delicadeza das miniaturas e o policromatismo da arte autenticamente popular. Sua difusão ajuda a romper com a rigidez do românico, e as catedrais ganhariam uma nova concepção, baseada na leveza dos arcos ogivais e na sutileza da iluminação dos vitrais, dinâmicos e multicoloridos. Começava-se a ganhar em termos de espaço, movimento, luz e cor.
A arte contemporânea foi marcada por uma revolução estética que traz consigo uma sucessão de estilos e movimentos, muitos dos quais de pouca duração e, em sua maioria, centrados na busca de novas direções e princípios inovadores. Estes movimentos e estilos se caracterizaram por marcar uma ruptura com a arte clássica que dominava desde o renascimento. Devido a essa diversidade, é difícil definir a arte contemporânea. Inclui a idéia da arte pela arte, a ênfase na originalidade, a exaltação da tecnologia moderna, o fascínio pelo primitivo e o compromisso com a arte popular. Na sociedade contemporânea, é a própria cultura que decide qual objeto é arte e qual não é. O objeto em si não carrega essa definição.
E com isso, ampliou-se a definição de arte, que passou a incluir, além de objetos palpáveis, idéias e ações.
Enfim, toda criação artística é resultado de constantes transformações que ocorrem ao longo da história da humanidade. Ou seja, o homem cria arte como meio de vida pela ou pela simples necessidade de expressão artística, em todos os climas, em todas as geografias e em todas as idades. A arte não é algo isolado das demais atividades humanas. Ela está presente em muitos artefatos que fazem parte do nosso dia-a-dia. E que futuramente poderão estar nos museus, atestando os nossos hábitos, o nosso modo de vida e os nossos valores.
O produzir artístico nasce de uma observação apurada que, tanto pode ser dirigida para os aspectos externos quanto internos de algum fator, guiada pelos conceitos de beleza, que se formaram da vivência do artista. Sendo assim, ao fazer arte o artista não pensa, o artista sente. Pensar seria a barreira entre a observação e a ilusão. Nesse sentido, o artista Magela, não difere dos demais, pois como ele mesmo diz, sua tela nunca está acabada, porque há sempre algo a ser feito, algo a ser inserido, uma vez que ela não foi projetada e nem pensada. Vai se fazendo à medida que a imaginação e a criatividade criam asas.
Naturalmente fatores históricos e sociais modelam os tipos de arte, mas a verdadeira arte jamais se escravizará a códigos e será sempre inovadora e capaz de falar do seu tempo.
No passado, costumava exaltar a genialidade do artista, no entanto hoje já se sabe que a arte não está intrinsecamente ligada à inteligência. Também não depende de cultura. A mesma coisa vale para quem gosta de arte ou das coisas que se dizem ser artísticas. Não é preciso compreender ou explicar, não faz sentido perseguir a mensagem que está contida na obra de arte. Às vezes não há mensagem alguma e o artista, em nenhum momento teve a pretensão de modificar o mundo ou o seu ambiente. Ele apenas sentiu, agiu e criou arte. E, talvez seja esse o grande encanto da arte: permitir a liberdade de pensamento que busca compreender sua mensagem e fazer com que os outros também a compreenda em todas as graduações possíveis.
Contudo, explanações à parte, tenta-se neste trabalho uma definição para a arte do artista em questão, Geraldo Magela Lima Albuquerque. Em que estilo se enquadra? Que influências permeiam seus trabalhos?
Ao longo do século XX estudiosos da História da Arte tiveram que olhar para a produção popular e acabaram por inventar diversas categorias que se referem a ela. Arte popular, primitiva, ingênua (ou naïf) e artesanato. Não há como entender a discussão em torno da arte popular se não compreendermos as diferenças desses termos e as implicações de seus usos.
Para o marchand especializado em arte popular, Roberto Rugiero, o que é chamado de arte ingênua é, na verdade, um engodo. Ela é feita por artistas que fazem uma espécie de imitação da verdadeira arte popular e não tem interesse artístico. Já a diretora do Museu do Pontal no Rio de Janeiro, voltado para a produção popular, a antropóloga Ângela Macelani (2006), diz que o termo arte naïf (ou ingênua) geralmente refere-se a pinturas, enquanto o termo popular está mais ligado à produção de objetos tridimensionais. Seja como for, seria, no mínimo, politicamente incorreto, hoje, designar a produção popular de ingênua. Afinal, o fato desses artistas normalmente não terem uma educação formal não faz necessariamente com que eles tenham uma visão ingênua do mundo.
A grande diferença entre os artistas naifs e os acadêmicos é que os primeiros pintam com a alma. E sempre escolhem temas regionais, lembranças da mais tenra infância, o circo na cidade, o balão de São João, o imaginário popular, as manifestações da fé popular em geral. A arte naif é um tipo de arte totalmente não-acadêmica, não burilada ou ditada pelos pressupostos acadêmicos.
É nesse contexto, que o artista Geraldo Magela, se enquadra. Suas telas são marcadas pelas cores vivas e por retratar o inconsciente coletivo popular e suas manifestações religiosas, características marcantes da chamada arte naif. No entanto, embora não tenha freqüentado nenhuma academia de arte, ainda assim, foi preciso a ajuda da artista plástica Helena Guimarães Pequeno, para fazê-lo se descobrir como um artista. Foi a partir das orientações da Helena Guimarães, que Magela, se rendeu à magia dos pincéis. Sua Imaginação não tem limites. Ele cria e recria, constrói e reconstrói, reinventa o cotidiano e os mitos populares, lançando-os em suas telas numa viva expressão de coragem e sensibilidade.
CAPITULO 2
MAGELA ALBUQUERQUE: SUA ORIGEM
"De tempos em tempos, o Céu nos envia alguém que não é apenas humano, mas também divino, de modo que, através de seu espírito e da superioridade de sua inteligência, possamos atingir o Céu[2]" Visari ( século XVI).
Uma maneira possível de definir o ser humano é dizer que ele pensa e age, ou pensa e faz. Mas, em se tratando de alguém tão enigmático, quanto transparente, por mais paradoxal que possa parecer, essa definição torna-se uma tarefa complexa, senão perigosa. Há de se ter extremo cuidado, evitando ser tendencioso ou simplista demais. Falar do artista rigoroso e inquieto que escaneia o imaginário popular com seus pincéis e suas agulhas, do buscador das lendas e histórias contadas de geração em geração, para depois retratá-las em suas telas, precisa antes de tudo, entender o meio e as influências que nortearam sua identidade artística.
Geraldo Magela Lima de Albuquerque, filho único, prematuro até no nascimento. Nasceu no dia 18 de agosto de1968, no oitavo mês de gestação. Não guarda lembrança do pai, uma vez que este abandonou a mãe antes do seu nascimento. Conta-se que a mãe, Clemência de Oliveira Lima, mulher muito religiosa, entregou o filho à proteção de São Geraldo Magela, o que lhe valeu também o nome de batismo.
Enquanto criança sonhava ser bailarino ou quem sabe um ginasta. Sua inquietude com os padrões ditos normais, se revelou muito cedo. Não se adaptou às escolas convencionais. Custava-lhe muito ficar sentado numa cadeira, lendo, escrevendo, escutando um professor. No entanto, em respeito aos educadores, em especial à sua mãe, e àqueles que entendiam seu espírito inquieto, ainda permaneceu na escola por um algum tempo. Estudou na Escola Estadual Tancredo Neves e Escola Estadual Laudelina Lacerda, cursando até o 2º ano do 2º grau. E teve a sorte de encontrar professores que incentivavam o seu lado artístico.
Segundo o próprio Magela, a professora Maria Antônia, foi um desses incentivadores, que avaliava seu rendimento através dos trabalhos artísticos que fazia de acordo com o tema da aula. Foi dessa forma que descobriu que tinha talento para a arte.
NASCE O ARTISTA
Criado na casa dos avós maternos, reproduz em suas telas todas as lembranças e aprendizado da infância. Filho de costureira aprendeu desde cedo a brincar com os retalhos, bordados e crochês executados pela sua mãe, que mais tarde se tornariam o diferencial da sua arte. Da avó herdou a mística religiosa eternizada nas flâmulas do divino espírito santo, e de todos os santos cultuados pelo povo do Vale do Jequitinhonha.
Incentivado pela mãe e grande companheira, aperfeiçoou sua habilidade com a costura, e assim, transforma suas telas numa miscelânea: reúne linhas, gravuras sacras, bordados, fuxicos, pequenas peças recolhidas aqui e acolá.
Conforme a historiadora Cristiane M. Magalhães – (2007)[3], “ com as janelas abertas de frente para o rio Jequitinhonha o artista inspira-se nas paisagens e lendas do Vale e do Brasil para criar a sua arte e dar nova vida a objetos mortos, descartados como lixo.”
Apesar da produção diversificada de mais de uma década, o artista ainda não mereceu a devida atenção e reconhecimento dos estudiosos da área, nem tão pouco de seus conterrâneos.
Magela Albuquerque é um atento observador do seu povo, da sua terra, das tradições e superstições de sua gente, e ainda por cima, possui habilidades especiais para representar tudo isso. A despeito das condições adversas em que vive consegue transformar o sofrimento em beleza, o preconceito em bandeira e segue sua trajetória corajosa. Ele é movido por uma inexplicável força interior que o leva inexoravelmente à necessidade de criar. Mesmo diante de uma vida cheia de dificuldades, ele optou por ser artista e consegue manter-se vivo com a sua arte.
Há cerca de dez anos, resolveu assumir-se como profissional e montou uma espécie de oficina de idéias. E, escolheu justamente o povoado de Guaranilândia para criar, pintar e bordar. Não o bordado convencional. Magela usa materiais recolhidos na beira do rio, tudo que é descartável, desde uma lata enferrujada até códigos de barras de alguma caixa jogada no lixo.
O artista que poderia ser definido como naïf, vai muito além da denominação. Magela é um artista popular e sua obra se vale justamente da ingenuidade para se encher de beleza que fala por suas cores fortes e objetos inusitados. Magela testemunha em suas telas a vida cotidiana, fervilhante de tradições e costumes carregados de mística e significados múltiplos.
Outra característica peculiar de Magela é a de ressaltar a importância dos que trabalham com ele. As individualidades dos seus parceiros, Tonico e Roni[4], são ressaltadas e reconhecidas em suas obras. Mas a primeira parceira foi, sem dúvida, sua mãe. Que o ensinou a lidar com as agulhas e mais tarde ensinou o macramê para Tonico. Hoje Tonico, dá sua contribuição aos trabalhos de Magela, inserindo lindos bordados de macramé em suas flâmulas. Enquanto, Ronicássio, insere bordados, confere as telas em busca de algo que pode ser acrescentado ou retirado. Ronicássio é a própria autocrítica de Magela.
Mas Magela não é somente um artista plástico, ele está sempre à procura de uma solução para os problemas sociais do lugar onde vive. Ali, ele dá lições ás crianças de como se cuidarem, de evitarem a prostituição e a gravidez na adolescência. Procura conscientiza-las dos perigos da droga. Cria oficinas no seu ateliê, onde interage com essas crianças, criando uma ambiente de confiança e aprendizagem.
Ultimamente, vem se esforçando para colocar em prática um projeto que inclui trazer sua arte para as salas de aula. Seu sonho é criar oficinas de arte na Escola Estadual Joviano Naves, onde sua mãe foi diretora. Dessa forma estaria prestando uma homenagem à mãe e ajudando os alunos a encontrar uma função, um jeito de soltar a criatividade e libertar do estigma da marginalidade.
Magela, embebido pelos segredos escondidos nas águas do rio Jequitinhonha, pinta e borda sob inspiração dos temas cotidianos do vale.
CAPÍTULO 3
A ARTE MAGELIANA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS.
Eis aqui a grande polêmica: a definição de arte varia, sim! Não se pode olhar pra uma obra de arte feita hoje como se olhava para uma obra feita há alguns séculos. Não se pode classificar uma obra de arte nesse ou naquele estilo, só porque carrega algumas de suas características.
A arte mageliana é caracterizada pela possibilidade de inserção de elementos a qualquer momento. Ela nunca está acabada: um botão, uma tampinha, um fuxico, um ponto de bordado, qualquer coisa pode ser acrescentado, sem, no entanto, afetar o conjunto. O inusitado e o tradicional em perfeita harmonia. Nela está presente a possibilidade de transformação, formação e incessante mutabilidade. Foi dessa infinita possibilidade de mutação na criação dos seus trabalhos que Magela inspirou a autora a definir seu estilo como “arte mageliana”. Por entender que é justamente essa irreverência do artista que torna sua arte diferente das demais definidas como arte popular. A perfeita interação entre materiais recicláveis e orgânicos.
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