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A ARTE “MAGELIANA”
ALMENARA
2008
MARILENE DIAS BARROS
ROCHA
A ARTE “MAGELIANA”
Trabalho
Científico de conclusão de curso apresentado à UNIPAC – Universidade de
Almenara. Sob a orientação da professora Msc. Tânia Maria Santana Botelho.
ALMENARA-MG
2008
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................
Cap. 1 –
A arte através dos
tempos................................................................
Cap. 2 –
Magela
Albuquerque..........................................................................
2.1
Sua
origem...............................................................................
2.2
- Nasce o artista
2.3
- O artista não trabalha sozinho
Cap. 3 – A
arte Mageliana
3.1 -
Conceito e características
3.1 - Fontes de inspiração
3.2.1 – O Rio
3.2.2 – O Vale do Jequitinhonha
3.2.3 – Elas
guiaram suas mãos
Cap. 4 – A
arte rompe fronteiras
4.1 -
Magela Albuquerque expõe e exporta.
Conclusão
RESUMO
Este
trabalho nasceu sob a pretensão de traçar um conceito da arte produzida por
Magela Albuquerque. Logo de imediato, a autora percebeu que se tratava de uma
ambição além do seu alcance. Limitou-se, portanto, a descrever as humildes
percepções sobre o trabalho artístico criado por Magela, artista do Vale do
Jequitinhonha que destaca pela diferenciação com os trabalhos normalmente
produzidos na linha popular. Mostrar o
que há de diferente na arte de Magela, que embora se enquadre nos moldes da
arte popular, ainda assim, a sua criatividade dá o toque que a diferencia dos
outros trabalhos sem deixar de
privilegiar e interpretar a
realidade local. Tudo é aproveitado para realizar uma produção artística rica,
criativa, única e própria. Ainda
que, usando matéria-prima rústica, não se exime do seu forte poder de comunicação,
e mesmo sem pretender ser didática,
dá exemplo de respeito ao meio
ambiente e à cultura local. O artista estima particularmente o objeto gasto e
abandonado. Aproveita-o e, infunde-lhe vida novamente. Agrega em sua obra, os
trabalhos de artesãos que um dia se
ocuparam em dar forma à matéria bruta. Magela se sente à vontade para
manifestar sua expressão artística, que pode ser ás vezes religiosa, outras
vezes profana. Ás vezes inovadora e criativa, outras vezes uma releitura de
trabalhos já conhecidos. Contudo, sem deixar de imprimir em cada uma delas, sua
identidade, sua criatividade e seu jeito irreverente de ser.
INTRODUÇÃO
Este
trabalho nasceu sob a pretensão de traçar um conceito da arte produzida por
Magela Albuquerque. Logo de imediato, a autora percebeu que se tratava de uma
ambição além do seu alcance. Limitou-se, portanto, a descrever as humildes
percepções sobre o trabalho artístico criado por Magela, artista do Vale do
Jequitinhonha.
Residindo no
pequeno povoado de Guaranilândia, município de Jequitinhonha, o artista dá asas
à criatividade e lança em suas telas os mitos e o imaginário do povo do Vale do
Jequitinhonha.
As origens do distrito de Guaranilândia
remontam ao início do século XIX, quando a Coroa Portuguesa incentivou a
ocupação da bacia do Jequitinhonha, com o objetivo de impedir o contrabando de
ouro e diamante extraídos na região.
Conforme descrição de Saint-Hilarie, a região era rica em fauna e flora,
além dos cobiçados minerais. Era habitada por diversas tribos indígenas. O
distrito recebeu o nome de Aldeia do Farrancho e era habitado pelos índios
Maxakali. O distrito de Guaranilândia nasceu do confronto entre índios e
colonizadores. Os habitantes da antiga Aldeia do Farrancho trazem nos traços
físicos e nos costumes a influência da miscigenação indígena e africana. Ainda
hoje a cerâmica utilitária produzida ali, herança do Maxakali, é
reconhecida em toda região.
No entanto,
a criação artística de Magela se destaca pela diferenciação com os trabalhos
normalmente produzidos na linha popular.
Esse é talvez o grande desafio deste trabalho. Mostrar o que há de
diferente na arte de Magela, que embora se enquadre nos moldes da arte popular,
ainda assim, a sua criatividade dá o toque que a diferencia dos outros
trabalhos sem deixar de privilegiar e
interpretar a realidade local.
O
interesse da autora pela arte de Magela Albuquerque nasceu de uma visita que os
acadêmicos do curso de História, fizeram à
casa-ateliê em meados de outubro de 2007. A partir do encontro com o artista e seus
trabalhos, percebeu-se a necessidade de decifrar as influências e objetivos
contidos em suas telas. A importância dessa pesquisa monográfica se faz pela
necessidade de esclarecer o conceito
“arte mageliana” e, sobretudo, para cumprir exigência de trabalhos para
conclusão de curso. Além disso, acredita-se que o tema da pesquisa é importante
para divulgação e valorização da arte e do artista. Embora, já existem alguns estudos sobre artistas do Vale do Jequitinhonha, Magela ainda não foi estudado com a devida atenção e
reconhecimento, apesar de uma produção diversificada de quase uma década.
As
anotações feitas até hoje sobre o artista foram elaboradas a partir do olhar
curioso de cientistas e acadêmicos que se deliciam com o seu jeito não
convencional de produzir, no entanto, não compreendem o imaginário coletivo e o
contexto que o artista está inserido.
Por isso, a despeito de tudo o que já foi dito, a presente pesquisa
feita sob as percepções de alguém que se sente inserido nas representações
artísticas do Magela, tem a pretensão de divulgar a arte que se faz a partir do
que se tem em torno de si. Ainda que, usando matéria-prima rústica, não se
exime do seu forte poder de comunicação, e mesmo sem pretender ser didática, dá
exemplo de respeito ao meio ambiente e à cultura local.
Para elaborar este trabalho foram
usados todos os parâmetros de arte vistos durante o curso de História, mas
especificamente nas disciplinas de História da Arte e História Local. A partir das pesquisas bibliográficas,
leituras e percepções, análise das
pesquisas e textos feitos por
admiradores da arte de Magela. Foram feitas
visitas “in loco” para observar as características da obra e entrevistar
o próprio artista no espaço de gestação artística. Procurou-se ainda manter
contato com os ajudantes do artista no seu ateliê. Buscou-se depoimentos destes
para averiguar como são influenciados pelo artista. As criações artísticas de Magela permitem que
outras mãos completem seu acabamento. O macramê, o fuxico, pequenos bordados
ficam por conta das mãos habilidosas de Tonico e Ronicássio, que conseguem
captar as intenções do artista. Além de
conversar com pessoas que conhecem
Magela e entendem o seu jeito de produzir arte.
Utilizou-se como método de abordagem,
o dialético. Os métodos de procedimento foram os métodos: histórico e
monográfico.
É uma pesquisa que faz abordagem numa
perspectiva antropológica e cultural.
O
trabalho foi dividido em quatro capítulos.
Para iniciar, o capitulo um faz uma abordagem sobre a arte através dos
tempos, para efeito de esclarecimento e compreensão da evolução da arte e suas
influências no objeto a em foco neste trabalho. Para isso, valeu-se, entre
sites e reportagens, do livro de Jorge Coli (1995), O que é Arte. No capítulo dois é apresentado
o cidadão Geraldo Magela Lima Albuquerque, suas origem, sua infância e
influências que o levaram a se tornar um artista plástico. Neste capítulo
utilizou-se do artigo: “Magela: um artista não compreendido”, de autoria da
Mestra em Educação: Tânia Maria Santana
Botelho, além da entrevista com o
próprio artista.
No terceiro
capítulo, procurou-se traçar um conceito para a arte de Magela. Fez-se um
paralelo com tudo aquilo que é fonte de inspiração para o seu trabalho. Desde
um simples pedaço de bijuteria até peças
para reciclagem recolhidas das margens do rio Jequitinhonha. Tudo é aproveitado
para realizar uma produção artística
rica, criativa, única e própria. Esclarece ainda a importância e a
influência do Rio Jequitinhonha e do cotidiano do Vale na arte de Magela. Neste
capítulo utilizou-se do livro de Ângela
Mascelani, “O mundo da arte popular brasileira” (2006), do trabalho da
historiadora Cristiane Maria Magalhães, “A arte do Vale do Jequitinhonha pelas
hábeis mãos de Magela Albuquerque”, além de sites sobre a História da Arte.
No
quarto capítulo a arte de Magela Albuquerque já está cristalizada e pronta para
se mostrar e encantar outras paragens.
Nesse capítulo foi feito um breve histórico de exposições das peças
feitas pelo artista e da receptividade que as suas obras encontram além-Vale do
Jequitinhonha. Para elaborar este capítulo foram feitas entrevistas com Dona
Helena Guimarães e Jumária Cunha, ambas as artistas plásticas residentes em
Almenara.
Ao
final, resta, portanto, as análises e conclusões a respeito da arte e do
artista e os obstáculos superados para
ver seu trabalho valorizado e reconhecido dentro do meio que é também fonte de
inspiração.
CAPITULO 1
A ARTE ATRAVÉS DO TEMPO
"...
Não gosto da idéia de que uma obra de arte tem de ser executada por um artista.
É uma idéia antiquada. Os arquitetos não constroem eles mesmos as suas
casas...".[1]
Damien
Hirst
O
conceito de arte tem mudado ao longo do tempo. Porém é certo que a arte deve
interrogar, fazer pensar, intuir, estimular o sentir e o reagir do homem e
ampliar sua sensibilidade.
Jorge Coli
(1995) mostra em seu livro “O Que é Arte” que, para definir o que é ou não é arte,
a cultura possui instrumentos específicos que conferem ao objeto o estatuto de
arte, um deles é o discurso sobre o objeto artístico. Uma análise crítica de um
especialista em arte que tem competência e autoridade para julgá-la arte ou não
e a partir de seus conhecimentos pode classificá-la por diferentes estilos. Marcel Duchamp propôs que qualquer
objeto poderia ser obra de arte. E quando Pierre Cabanne lhe perguntou:
“Afinal, o que é arte?” A esperta resposta de Duchamp foi outra pergunta: “O
que não é arte?”
Duchamp conseguiu convencer a muitos que é arte tudo o que alguém diz que é
arte. Mas a aposta de Duchamp não é que
tudo, indiferentemente, seja arte, mas que tudo, na sua diferença, possa ser
arte. E esta diferença deve ser entendida como afirmação da liberdade e
criatividade humanas.
Encontra-se arte desde a humanidade remota
até nossos dias e, certamente, a encontrará amanhã. Cada cultura possui saberes, códigos e
valores próprios condicionando os sistemas de comunicação. Também de indivíduo
para indivíduo, a arte varia caracterizando a capacidade de representação,
sensibilidade, personalidade e interesses de cada um. Como é o
caso da pintura rupestre, pura expressão de magia, por meio da qual procurava
ter poder sobre o animal através da
retratação da sua imagem. Nesse período, as várias formas de produção
artística, buscavam de alguma forma trazer para o mundo mortal os valores do
mundo divino. Esta visão de arte é especialmente encontrada nos egípcios e
babilônios.
E, já ligada à inteligência, o artista
grego tenta, através da arte, exprimir suas manifestações artísticas buscando o
ritmo, o equilíbrio e a harmonia ideal. A arte grega era uma busca constante da
perfeição e atinge os mais altos padrões de harmonia. Portanto,
segundo o ponto de vista clássico, a arte é imitação da natureza, mas não se
resume a um simples retrato dela, mas à busca de uma natureza ideal e
universal. A busca deste ideal universal de natureza é, para a arte clássica, a
busca da beleza universal, pois
a natureza, sendo perfeita, é bela. Não existe separação, segundo este ponto de
vista, entre arte,
ciência, matemática e filosofia: todo o conhecimento humano
está voltado à busca da perfeição. Os gregos são responsáveis também por uma
série de avanços do ponto de vista técnico da produção artística.
A arte
romana mesclada pela arte etrusca popular e pela greco-helenística retrata a
realidade vivida, realçando a idéia de força e o predomínio do caráter sobre a
beleza. É uma arte
realista. Os romanos praticamente nada inovaram em matéria de arte. Mas sua
contribuição original se dá, no campo da arquitetura, na valorização do espaço
interno – até então totalmente negligenciado, e na compreensão da dupla
importância, estética e estrutural, de elementos como o arco e a abóbada. Por
sua forte dose de utilitarismo, a arquitetura romana se aproxima da arte moderna
mais do que qualquer outra antiga. Além do mais, foram os romanos grandes engenheiros e resolveram certos problemas de
engenharia de pontes e aquedutos por métodos ainda hoje úteis.
No mundo
medieval, sob a influência do cristianismo, a arte se volta para a valorização
do espírito. A arte nesse período é uma extensão do serviço divino e uma
oferenda à divindade. A
arte mais típica da cultura medieval foi o estilo românico, com suas catedrais
em forma de fortalezas militares e imagens sem nenhuma consideração para com as
características reais das coisas e dos seres representados. Suas figuras eram
exclusivamente religiosas, de formas e expressões invariáveis, de volumes e
dimensões uniformes, chapadas contra o fundo, quase suprimindo a idéia de
espaço. Uma arte estática, rústica, inalterável e sagrada, como sociedade que
ela representava.
Na última fase do período medieval
aparece o gótico, uma arte de raiz germânica e que penetra pelo norte da
Europa. O estilo gótico traz consigo a leveza e a delicadeza das miniaturas e o
policromatismo da arte autenticamente popular. Sua difusão ajuda a romper com a
rigidez do românico, e as catedrais ganhariam uma nova concepção, baseada na
leveza dos arcos ogivais e na sutileza da iluminação dos vitrais, dinâmicos e
multicoloridos. Começava-se a ganhar em termos de espaço, movimento, luz e cor.
A arte contemporânea foi marcada por uma
revolução estética que traz consigo uma sucessão de estilos e movimentos,
muitos dos quais de pouca duração e, em sua maioria, centrados na busca de
novas direções e princípios inovadores. Estes movimentos e estilos se
caracterizaram por marcar uma ruptura com a arte clássica que dominava desde o
renascimento. Devido a essa diversidade, é difícil definir a arte
contemporânea. Inclui a idéia da arte
pela arte, a ênfase na originalidade, a exaltação da tecnologia moderna, o
fascínio pelo primitivo e o compromisso com a arte popular. Na sociedade
contemporânea, é a própria cultura que decide qual objeto é arte e qual não é.
O objeto em si não carrega essa
definição.
E com isso, ampliou-se a definição de arte,
que passou a incluir, além de objetos palpáveis, idéias e ações.
Enfim, toda criação artística é resultado de constantes transformações que ocorrem
ao longo da história da humanidade. Ou seja, o homem cria arte como meio de
vida pela ou pela simples
necessidade de expressão artística, em todos os climas, em todas as geografias
e em todas as idades. A arte não é algo isolado das demais atividades humanas.
Ela está presente em muitos artefatos que fazem parte do nosso dia-a-dia. E que
futuramente poderão estar nos museus, atestando os nossos hábitos, o nosso modo
de vida e os nossos valores.
O produzir artístico nasce de uma observação
apurada que, tanto pode ser dirigida para os aspectos externos quanto internos
de algum fator, guiada pelos conceitos de beleza, que se formaram da vivência
do artista. Sendo assim, ao fazer arte o artista não pensa, o artista sente.
Pensar seria a barreira entre a observação e a ilusão. Nesse sentido, o artista
Magela, não difere dos demais, pois como ele mesmo diz, sua tela nunca está
acabada, porque há sempre algo a ser feito, algo a ser inserido, uma vez que
ela não foi projetada e nem pensada. Vai se fazendo à medida que a imaginação e
a criatividade criam asas.
Naturalmente fatores históricos e
sociais modelam os tipos de arte, mas a verdadeira arte jamais se escravizará a
códigos e será sempre inovadora e capaz de falar do seu tempo.
No passado, costumava exaltar a genialidade do
artista, no entanto hoje já se sabe que a arte não está intrinsecamente ligada à inteligência.
Também não depende de cultura. A mesma coisa vale para quem gosta de arte ou
das coisas que se dizem ser artísticas. Não é preciso compreender ou explicar,
não faz sentido perseguir a mensagem que está contida na obra de arte. Às vezes
não há mensagem alguma e o artista, em nenhum momento teve a pretensão de
modificar o mundo ou o seu ambiente. Ele apenas sentiu, agiu e criou arte. E, talvez seja esse o grande encanto da arte:
permitir a liberdade de pensamento que busca compreender sua mensagem e fazer
com que os outros também a compreenda em todas as graduações
possíveis.
Contudo, explanações à parte, tenta-se
neste trabalho uma definição para a arte do artista em questão, Geraldo Magela
Lima Albuquerque. Em que estilo se enquadra? Que influências permeiam seus
trabalhos?
Ao longo do
século XX estudiosos da História da Arte tiveram que olhar para a produção
popular e acabaram por inventar diversas categorias que se referem a ela. Arte
popular, primitiva, ingênua (ou naïf) e artesanato. Não há como entender a
discussão em torno da arte popular se não compreendermos as diferenças desses
termos e as implicações de seus usos.
Para o
marchand especializado em arte popular, Roberto Rugiero, o que é chamado de
arte ingênua é, na verdade, um engodo. Ela é feita por artistas que fazem uma
espécie de imitação da verdadeira arte popular e não tem interesse artístico.
Já a diretora do Museu do Pontal no Rio de Janeiro, voltado para a produção
popular, a antropóloga Ângela Macelani (2006), diz que o termo arte naïf (ou
ingênua) geralmente refere-se a pinturas, enquanto o termo popular está mais
ligado à produção de objetos tridimensionais. Seja como for, seria, no mínimo,
politicamente incorreto, hoje, designar a produção popular de ingênua. Afinal,
o fato desses artistas normalmente não terem uma educação formal não faz
necessariamente com que eles tenham uma visão ingênua do mundo.
A grande diferença entre os artistas
naifs e os acadêmicos é que os primeiros
pintam com a alma. E sempre escolhem temas regionais, lembranças da mais
tenra infância, o circo na cidade, o balão de São João, o imaginário
popular, as manifestações da fé popular
em geral. A arte naif é um tipo de arte
totalmente não-acadêmica, não burilada ou ditada pelos pressupostos acadêmicos.
É nesse contexto, que o artista
Geraldo Magela, se enquadra. Suas telas são marcadas pelas cores vivas e por
retratar o inconsciente coletivo popular e suas
manifestações religiosas, características marcantes da chamada arte
naif. No entanto, embora não tenha
freqüentado nenhuma academia de arte, ainda assim, foi preciso a ajuda da
artista plástica Helena Guimarães Pequeno, para fazê-lo se descobrir como um
artista. Foi a partir das orientações da Helena Guimarães, que Magela, se rendeu à magia dos pincéis. Sua Imaginação não tem limites. Ele cria e
recria, constrói e reconstrói, reinventa o cotidiano e os mitos populares,
lançando-os em suas telas numa viva expressão de coragem e sensibilidade.
CAPITULO
2
MAGELA
ALBUQUERQUE: SUA ORIGEM
"De
tempos em tempos, o Céu nos envia alguém que não é apenas humano, mas também
divino, de modo que, através de seu espírito e da superioridade de sua
inteligência, possamos atingir o Céu[2]" Visari ( século XVI).
Uma maneira possível
de definir o ser humano é dizer que ele pensa e age, ou pensa e faz. Mas, em se
tratando de alguém tão enigmático, quanto transparente, por mais paradoxal que
possa parecer, essa definição torna-se uma tarefa complexa, senão perigosa. Há
de se ter extremo cuidado, evitando ser tendencioso ou simplista demais. Falar
do artista rigoroso e inquieto que escaneia o imaginário popular com seus
pincéis e suas agulhas, do buscador das
lendas e histórias contadas de geração em geração, para depois retratá-las em
suas telas, precisa antes de tudo, entender o meio e as influências que
nortearam sua identidade artística.
Geraldo Magela Lima de
Albuquerque, filho único, prematuro até no nascimento. Nasceu no dia 18 de
agosto de1968, no oitavo mês de gestação. Não guarda lembrança do pai, uma vez
que este abandonou a mãe antes do seu nascimento. Conta-se que a mãe, Clemência
de Oliveira Lima, mulher muito religiosa, entregou o filho à proteção de São
Geraldo Magela, o que lhe valeu também o nome de batismo.
Enquanto criança
sonhava ser bailarino ou quem sabe um ginasta. Sua inquietude com os padrões
ditos normais, se revelou muito cedo. Não se adaptou às escolas convencionais.
Custava-lhe muito ficar sentado numa cadeira, lendo, escrevendo, escutando um
professor. No entanto, em respeito aos educadores, em especial à sua mãe, e
àqueles que entendiam seu espírito inquieto, ainda permaneceu na escola por um
algum tempo. Estudou na Escola Estadual Tancredo Neves e Escola Estadual
Laudelina Lacerda, cursando até o 2º ano do 2º grau. E teve a sorte de encontrar professores que
incentivavam o seu lado artístico.
Segundo o próprio
Magela, a professora Maria Antônia, foi um desses incentivadores, que avaliava
seu rendimento através dos trabalhos artísticos que fazia de acordo com o tema
da aula. Foi dessa forma que descobriu que tinha talento para a arte.
NASCE O ARTISTA
Criado na casa dos avós maternos, reproduz em suas telas
todas as lembranças e aprendizado da infância.
Filho de costureira aprendeu desde cedo a brincar com os retalhos,
bordados e crochês executados pela sua mãe, que mais tarde se tornariam o
diferencial da sua arte. Da avó herdou a
mística religiosa eternizada nas flâmulas do divino espírito santo, e de todos
os santos cultuados pelo povo do Vale do Jequitinhonha.
Incentivado pela mãe e grande companheira, aperfeiçoou sua
habilidade com a costura, e assim, transforma suas telas numa miscelânea: reúne
linhas, gravuras sacras, bordados, fuxicos, pequenas peças recolhidas aqui e
acolá.
Conforme a historiadora Cristiane M. Magalhães – (2007)[3], “
com as janelas abertas de frente para o rio Jequitinhonha o artista inspira-se
nas paisagens e lendas do Vale e do Brasil para criar a sua arte e dar nova
vida a objetos mortos, descartados como lixo.”
Apesar da produção diversificada de mais de uma década, o
artista ainda não mereceu a devida atenção e reconhecimento dos estudiosos da
área, nem tão pouco de seus conterrâneos.
Magela Albuquerque é
um atento observador do seu povo, da sua terra, das tradições e superstições de
sua gente, e ainda por cima, possui
habilidades especiais para representar tudo isso. A despeito das condições
adversas em que vive consegue transformar o sofrimento em beleza, o preconceito
em bandeira e segue sua trajetória corajosa. Ele é movido por uma inexplicável força
interior que o leva inexoravelmente à necessidade de criar. Mesmo diante de uma
vida cheia de dificuldades, ele optou por ser artista e consegue manter-se vivo
com a sua arte.
Há cerca de dez anos, resolveu
assumir-se como profissional e montou uma espécie de oficina de idéias. E,
escolheu justamente o povoado de Guaranilândia para criar, pintar e
bordar. Não o bordado convencional. Magela usa materiais recolhidos na beira do
rio, tudo que é descartável, desde uma lata enferrujada até códigos de
barras de alguma caixa jogada no lixo.
O
artista que poderia ser definido como naïf, vai muito além da denominação.
Magela é um artista popular e sua obra se vale justamente da ingenuidade para
se encher de beleza que fala por suas cores fortes e objetos inusitados. Magela
testemunha em suas telas a vida cotidiana, fervilhante de tradições e costumes
carregados de mística e significados múltiplos.
Outra
característica peculiar de Magela é a de
ressaltar a importância dos que trabalham com ele. As individualidades dos seus
parceiros, Tonico e Roni[4], são
ressaltadas e reconhecidas em suas obras.
Mas a primeira parceira foi, sem dúvida, sua mãe. Que o ensinou a lidar
com as agulhas e mais tarde ensinou o macramê para Tonico. Hoje Tonico, dá sua contribuição aos
trabalhos de Magela, inserindo lindos bordados de macramé em suas
flâmulas. Enquanto, Ronicássio, insere bordados, confere as telas em busca de
algo que pode ser acrescentado ou retirado. Ronicássio é a própria autocrítica
de Magela.
Mas
Magela não é somente um artista plástico, ele está sempre à procura de uma
solução para os problemas sociais do lugar onde vive. Ali, ele dá lições ás crianças de como se
cuidarem, de evitarem a prostituição e a gravidez na adolescência. Procura conscientiza-las dos perigos da
droga. Cria oficinas no seu ateliê, onde interage com essas crianças, criando
uma ambiente de confiança e aprendizagem.
Ultimamente,
vem se esforçando para colocar em prática um projeto que inclui trazer sua arte
para as salas de aula. Seu sonho é criar
oficinas de arte na Escola Estadual Joviano Naves, onde sua mãe foi diretora.
Dessa forma estaria prestando uma homenagem à mãe e ajudando os alunos a
encontrar uma função, um jeito de soltar a criatividade e libertar do estigma
da marginalidade.
Magela,
embebido pelos segredos escondidos nas águas do rio Jequitinhonha, pinta e
borda sob inspiração dos temas
cotidianos do vale.
CAPÍTULO 3
A
ARTE MAGELIANA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS.
Eis aqui a grande polêmica: a definição
de arte varia, sim! Não se pode olhar pra uma obra de arte feita hoje como se
olhava para uma obra feita há alguns séculos. Não se pode classificar uma obra
de arte nesse ou naquele estilo, só porque carrega algumas de suas
características.
A arte
mageliana é caracterizada pela possibilidade de inserção de elementos a
qualquer momento. Ela nunca está acabada: um botão, uma tampinha, um fuxico, um
ponto de bordado, qualquer coisa pode ser acrescentado, sem, no entanto, afetar
o conjunto. O inusitado e o tradicional em perfeita harmonia. Nela está presente a possibilidade de
transformação, formação e incessante mutabilidade. Foi dessa infinita
possibilidade de mutação na criação dos seus trabalhos que Magela inspirou a
autora a definir seu estilo como “arte mageliana”. Por entender que é
justamente essa irreverência do artista que torna sua arte diferente das demais
definidas como arte popular. A perfeita interação entre materiais recicláveis e orgânicos.
Pelas mãos de Magela, pequenos
objetos, restos de material perdem sua função real e se transformam em recursos
artísticos que vão colorir e dar vida às suas telas.
“
Geraldo
Magela é um artista sensorial, distante da cor, da forma e da textura. Seus
sentidos se concentram nas águas do rio. Um artista orgânico. Os objetos
possuem vários contrastes, não se amolda a modelos europeus que aprisionam a
obra de arte contemporânea.” [5]
O resultado
é uma obra densa, envolvente, corajosa, alegre e cheia de sentimentos. A arte
de Magela é desenhada e bordada ponto-a-ponto, com miçangas, pequenas miudezas
recolhidas nas ruas, no leito do rio. Pequenos pedaços de objetos que encontram
em suas telas o seu objetivo final, ou seja,
exaltar a “devoção ao Rio Jequitinhonha, ao povo do Vale e às lendas e
histórias contadas de geração para geração.”
Tudo pode
ganhar sentido e vida através da imaginação do Artista Geraldo Magela. Gamelas velhas são transformadas em oratórios
ou enfeitadas com bandeirolas feitas de latas que retratam as tradições do
interior. Velhos pratos servem como abrigo para os santos da devoção popular.
Lantejoulas, pequenas miçangas, pecinhas de algum aparelho, sementes, brincos,
pedaços de fitas emprestam seus brilhos e cores para compor a lendária cobra do
rio, tão temida pelos que vivem às margens do Jequitinhonha. Suas flâmulas retratam o Divino Espírito
Santo e outros Santos, enfeitados pelos bordados e pelo macramé.
O jornal
velho, as caixas de ovos são trabalhados para dar forma às máscaras e
esculturas que se espalham pelas paredes do ateliê.
Enfim, a
arte mageliana é uma mistura farta e rica. Suas telas estão repletas de cenas
que falam do cotidiano de cada um. São
as galinhas d’angola, as formigas, as
bananas amarelas e gordas, o capoeirista, as roupas que balançam no varal, a sensualidade
da roupa íntima e transparente. O quadro “o circo caiu do céu” o artista
expressa toda alegria e a incontida
vitalidade do povo que se manifestam com a chegada dos palhaços, malabaristas,
balões com suas cores vibrantes. Nas
suas telas Magela, retrata os
sentimentos mais simples, a verdadeira alma do povo do Vale do Jequitinhonha. Sua obra assume a verdadeira
cara do Vale, dá sua versão da estética
da cor, da alegria, dos mitos e lendas do povo.
Suas
telas falam da história da gente do Vale do Jequitinhonha, com seus sonhos, suas lágrimas, seus prazeres e seu
olhar tingido de horizonte.
O
artista estima particularmente o objeto gasto e abandonado. Aproveita-o e,
infunde-lhe vida novamente. Agrega em sua obra os trabalhos de artesãos que um dia se ocuparam em dar forma
à matéria bruta.
A arte de Magela está em pleno
processo de amadurecimento e afirmação da sua identidade. Cabe ao artista
aproveitar a sua criatividade e o seu potencial para inovar a cada dia e
consolidar seu estilo.
A experiência e a vivência adquiridas
pelo artista já lhe permitem ousar mais, consolidando seu estilo numa clara
indicação de consciência da sua importância artística e social.
ELAS GUIARAM SUAS
MÃOS
Magela já sabia que era um artista.
Mas faltava-lhe a técnica. E buscou, nas artistas plásticas, Helena Guimarães e
Jumária, o aprendizado que o colocaria diante do seu destino.
Para a artista plástica, Helena
Guimarães, que não esconde sua admiração pelo artista, a arte está na alma de
Magela. Ele é corajoso, irreverente, um
observador inquieto e criativo. Suas telas têm sua identidade. Se uma tela sua fosse dividida em vários
pedaços, cada pedaço seria uma obra de arte. A obra de Magela é inquieta, se
mexe! Uma das características do artista é não projetar suas obras. Elas
simplesmente vão sendo compostas à medida que lhe vem inspiração e, sobretudo
criatividade, marca indiscutível do artista. Helena destaca a inteligência e o
espírito lutador e sensível de Geraldo Magela, seu aluno mais dileto. Esse jeito de produzir sem esboço, é uma influência
da própria Helena, que assim como Magela vê nas telas um alvo para exprimir
toda sua liberdade e criatividade.
Jumária, artista plástica, conhecedora
e admiradora da obra de Magela. Para ela o trabalho do artista é caracterizado
pela forma como ele usa os vários tipos de matéria-prima para construir a idéia
e chegar à arte final. Magela garimpa desde a sucata até a tinta para a
composição do seu trabalho. Para Jumária, o artista Geraldo Magela, é um
construtor eclético, que além de criar, personaliza idéias, enriquecendo-as com
técnica mista, várias texturas, tintas diversas e colagens, impregnando-as com sua identidade.
Segundo a artista plástica, a
construção da arte é uma expressão da sua criação interna. O artista pincela com seus sentimentos, de
acordo com suas fases. O trabalho do
artista acompanha seu espírito. E Magela
não foge à regra, sua arte é uma expressão diversificada, uma busca constante
do aprimoramento e enriquecimento do seu estilo e consagração da sua
identidade.
Jumária ver no artista um potencial
muito rico, que desde o início já revelou talento e sabia o que queria. Ele tem
a facilidade de agregar idéias, matérias-prima, cores forte num trabalho rico e
criativo.
Ambas se consideram apenas
instrumentos que serviu para alavancar o talento de Magela, para empurrá-lo a
dar o primeiro passo. Pois, para elas, o
artista já existia dentro dele. Só
precisava aperfeiçoar o talento, e isso se faz todo dia na busca constante do
tom certo de finalizar a abra no seu todo, e apresentar aos olhos do mundo o
seu próprio retrato.
O
RIO QUE INSPIRA.
“Um rio traça seu perfil no mapa de Minas. Um rio traça seu
caminho nos mapas da emoção.”
Ronald Claver[6]
O Rio
Jequitinhonha, que nasce na Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, e desemboca na
cidade baiana de Belmonte, teve sua trajetória de povoamento e degradação
ligada à exploração dos recursos naturais. Mas, ainda hoje, agonizante, é fonte
de sobrevivência e inspiração para aqueles que refrescam em suas águas a alma
de um povo que não se cansa de lutar e de sonhar.
O Rio
Jequitinhonha é um verdadeiro monumento natural. Às suas margens nasceram e
nascem grandes homens e mulheres. É ele que inspira artistas, músicos e artesãos. Lindas canções
foram criadas a partir de sua essência. O rio é a alma do povo do Vale. Desde a sua nascente, em Diamantina até a sua
foz em Belmonte-BA, o Rio Jequitinhonha vivencia as diversidades econômicas e
sociais, é fonte tanto de material como de inspiração para a rica cultura do
Vale do Jequitinhonha. O Rio e suas lendas povoam o imaginário popular de todos
que se banham em suas águas. E sendo
Geraldo Magela, um filho nascido e criado às margens do Jequitinhonha é natural
que buscasse inspiração em suas águas.
Da
Janela do seu ateliê, avista-se o rio que corre como uma grande serpente. Suas
águas trazem de longe o material que vão compor as telas de Magela. Caminhando sozinho pelas suas margens, vai
recolhendo tudo que foi descartado pelo homem, material que perdeu seu valor e
sua forma. Mas que ganhará vida e
emprestará beleza ás criações do artista.
Os materiais agregados cumprem também sua função de denunciar o descaso
com o rio e com a natureza, numa clara demonstração da consciência ecológica do
artista. Magela traz na sua alma e na
sua retina, a beleza do Rio que pede socorro sem perder a poesia.
O VALE DO JEQUTINHONHA
Vale do Jequitinhonha. O
Vale do pôr-do-sol que resplandece em ouro. O Vale Dourado.
O Vale do Jequitinhonha situa-se
numa área de 71.552 km² no nordeste
de Minas Gerais, é considerada uma das regiões mais
desfavorecidas do país no
que tange aos aspectos econômicos e sociais. Esse
Vale da onde saiu grande parte da riqueza do Brasil se tornou uma das regiões
mais pobres do país. Mas, citando
Geralda Soares: “Nós sabemos, porém, que o Vale não é uma região pobre. É, sim,
uma região empobrecida por todo este passado de depredação.”[7]
Ainda há muita riqueza no Vale do
Jequitinhonha. Seja a riqueza escondida no solo na forma de ouro, diamante e
pedras preciosas. Seja, sobretudo, a riqueza cultural do povo do Vale.
Seja pelo
artesanato, conhecido internacionalmente, seja pelos músicos que do
Jequitinhonha despontaram para o mundo, a arte do
Vale é uma das principais formas de superação da miséria. Em
meio à tamanha diversidade e da miséria que deixa o mundo sensibilizado,
o Vale do Jequitinhonha não se priva de revelar suas preciosidades. Sua
história de luta e superação, seu encanto pelas mãos de tecelãs, artesãos e
artistas plásticos que se não se cansam de mostrar que fazem da sua arte um
apelo ao belo, à estética, à valorização do Vale.
Nesse
contexto está inserido o artista Geraldo Magela, plenamente consciente das
mazelas do Vale. Plenamente consciente do potencial e da riqueza cultural do
povo e do Vale!
Magela traz
em suas telas a alma, o imaginário, o cotidiano, as lendas e as tradições do
Vale. Poderia ter ido em busca de outros lugares onde seu trabalho fosse
valorizado. Mas prefere refugiar-se no pequeno povoado de Guaranilândia e ali
desfiar sua criatividade, sua habilidade com os diversos instrumentos e
materiais que o Vale despojadamente lhe fornece. Magela se sente à vontade para manifestar
sua expressão artística, que pode ser ás vezes religiosa, outras vezes profana.
Ás vezes inovadora e criativa, outras vezes uma releitura de trabalhos já
conhecidos. Contudo, sem deixar de imprimir em cada uma delas, sua identidade,
sua criatividade e seu jeito irreverente de ser.
CAPÍTULO
4
A
ARTE ROMPE FRONTEIRAS
MAGELA
ALBUQUERQUE EXPÕE E EXPORTA.
Aos poucos, Magela ocupa galerias,
espaços acadêmicos, mostras na cidade de
Trancoso-BA que expõe sua obra ao
público de todos os lugares que visita este paraíso .
Todo ano, nos
primeiros dias de maio, a UFMG se encanta com a feira de artesanato do Vale do
Jequitinhonha, que acontece na Praça de Serviços. A beleza das peças, tão
singulares, mistura-se à alegria dos artesãos. Todo artesanato do Vale está ali
representado..
Há quatro anos Magela expôs alguns
trabalhos nesta feira realizada pelo Pólo de Integração da UFMG no Vale do
Jequitinhonha. Durante a exposição, o artista de Guaranilândia ausentou-se para
conhecer o campus da universidade, ao retornar entrou em pânico, notando que
suas peças haviam desaparecido. Qual não foi a sua surpresa ao saber, que na
verdade suas obras haviam sido vendidas. Uma das gamelas-oratório havia sido
adquirida e exposta na reitoria da universidade.
Magela foi premiado pela sua
participação na exposição realizada pela fundação de Arte de Ouro Preto –
FAOP. Tem um de seus trabalhos
ilustrando a capa do livro “Chico, o caminhador”, de Fernando Brant e Ana
Raquel.
Seus trabalhos, expostos em
Trancoso-BA, têm admiradores e consumidores fiéis.
Segundo Lucy Dias[8]
“Tudo em seu trabalho tem pulso e alma. Uma pescaria no grande inconsciente
brasileiro, interiores e fundo de quintais. Arte vinda de um Brasil profundo,
que a gente ama e quer.”
Por duas vezes, o artista Magela, a
convite da Juíza de Direito, Drª Beatriz Junqueira Guimarães, expôs seus
trabalhos no Fórum de Almenara, onde pode ser observada e apreciada por um
público bem diversificado.
Recentemente, expôs algumas de suas
obras, na Unipac – Almenara, durante uma homenagem lhe prestada pelos acadêmicos do curso de
História. Ocasião em que a acadêmica
Elane Farias, apresentou uma música
feita especialmente para o artista.
A artista plástica, Helena Guimarães,
desvenda numa poesia dedicada ao artista,
a alma, os sonhos, a criatividade e as fontes de inspiração para o
talento artístico de Magela Albuquerque, como se vê na transcrição abaixo:
MAGELA
Helena Guimarães
Pequeno.
Magela... das
águas claras,
Das praias de areias
raras...
na
casa do Guarani.
Amando
com
criatividade
tecido e peças rústicas
em coisas que nunca
vi...
Dos seus beijos
e abraços,
seus toques e seus
afagos,
mãos que se transformam
nesta margem do
Jequi.
E o Rio que nunca
fala,
Deste amor que tem
aqui.
CONCLUSÃO
Como este trabalho foi
estruturado em capítulos independentes que contêm suas próprias conclusões, restam
finalmente, as últimas considerações em torno da arte mageliana.
A natureza versátil e irreverente do artista
Magela Albuquerque é material para a construção dos seus trabalhos que se
amoldam e se transformam sem perder a identidade da arte de Magela.
Dessa forma, torna-se
temeroso catalogar os trabalhos do artista nesse ou naquele estilo. Clássico ou
popular? Primeiramente, é preciso
reconhecer que o diálogo entre os artistas populares e os eruditos está, sem
dúvida, mediado pelo problema do poder entre os saberes. De um lado estão os
universitários, aqueles que “produzem os conhecimentos reconhecidos pela
sociedade” através de teses, publicações de livros etc. Do outro, os espaços
onde são produzidos conhecimentos de outra ordem, conhecimentos que nascem do
fazer, que têm a experiência como a grande fonte.
O que se percebe é que o
artista desafia os limites da arte popular para marcar seu próprio estilo. É a
própria essência da arte contemporânea que permite a produção sem
estigmatismos, seguindo seus próprios modelos, sua imaginação.
Os trabalhos de Magela são
capazes de promover a divulgação das tradições, mitos e lendas inseridas na
cultura do seu povo. As pessoas comuns, que não são especializadas em arte, são
capazes de compreender e se sentirem inseridas nos trabalhos de Magela. Seja
no aspecto cultural, seja no aspecto
social ou religioso, uma vez que a arte
de Magela tem a ver com as suas vidas.
Magela trabalha como se
respira: de fora para dentro e de dentro para fora. Ele tanto absorve, como
emana experimentos e criatividade. Dessa forma o artista se liberta do fantasma
da autenticidade, para dar aos seus trabalhos uma dinâmica de interação, de
livre criatividade, que certamente, enriquece suas obras, diversificando ainda
mais o seu estilo. Mas essa apropriação
não descaracteriza a sua identidade. O
artista age sob a ética da diferença, baseada na liberdade de mover-se cruzando
idéias e estilos a fim de prosseguir na construção da sua própria autonomia
artística.
Enfim, a arte Mageliana tem algo de camaleão. Não tem
vocação. Está aberta à transformação,
embora tenha suas próprias características. É singular e é plural ao mesmo
tempo. Pode refletir todos os
pensamentos. É uma arte híbrida, impura. Sempre na expectativa de ir além dos
limites, por isso mesmo muito abrangente, e é essa abrangência que a torna pura
e diferente, por mais paradoxal que isso possa parecer.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMGART, Fritz; Breve História da Arte. São Paulo: Martins
Fontes, 2007
CABANNE, Pierre; Marcel Duchamp: Engenheiro
do Tempo Perdido. São Paulo: Perspectiva, 1987.
COLI, Jorge; O que é
Arte. São Paulo: Edit. Brasiliense, 1995
MASCELANI, M. Ângela dos Santos; O mundo da arte popular
brasileira. Rio de Janeiro: Museu Casa
do Pontal, 2006
MORENO, Cézar; A Colonização e o Povoamento do Baixo
Jequitinhonha no Século XIX: A “guerra justa” contra os índios. Belo Horizonte:
Canoa das Letras, 2001
PEQUENO, Helena Guimarães
– entrevista realizada em 21/04/2008 – Almenara
CUNHA, Jumária –
entrevista realizada em 23/04/2008 -
Almenara
www.almg.gov.br/bancoconhecimento/monografias/relatorio%20jequitinhonha.pdf
- pesquisa realizada em 05/04/2008.
www.historiadaarte.com.br
- pesquisa realizada em 08/04/2008
revistaraiz.uol.com.br/fronteiras/index.php
– pesquisa realizada em 18/04/2008
www.professordehistoria.com/artesplasticas/
- 8k – pesquisa realizada em
28/03/2008
GLOSSÁRIO
MARCHAND: Profissional que tem como atribuição escoar a produção artística,
comprando, vendendo e fazendo intermediação de obras de arte, promovendo os
artistas plásticos e assessorando os compradores em potencial.
MACRAMÊ: é uma técnica de tecer fios que não utiliza
nenhum tipo de maquinário ou ferramenta. Utiliza somente as mãos. Trabalhando
com os dedos, os fios vão se cruzando e ficam presos por nós, formando
cruzamentos geométricos, franjas e uma infinidade de formas decorativas.
NAIF: Estilo
a que pertence a pintura de artistas sem formação sistemática. Trata-se de um
tipo de expressão que não se enquadra nos moldes acadêmicos, nem nas tendências
modernistas, nem tampouco no conceito de arte popular.
POLICROMATISMO:
Multiplicidade de cores.
[1] Damien Hirst é um dos mais importantes e polêmicos
artistas britânicos da atualidade, tendo conseguido sua ascensão especialmente
nos anos 90, dedicando-se a temas como religião e morte.
[3] A
Historiadora Cristiane Maria Magalhães, foi professora de História
Contemporânea – Unipac Almenara –2007. Em visita ao ateliê Aldeia Mundi, foi
instigada, talvez a emitir a sua reflexão daquela arte que a sensibilizara.
[4] Antonio
Marcos Pereira – “Tonico”, morador do povoado de Guranilândia que aprendeu o
macramê com D. Clemência de Oliveira
Lima – mãe de Geraldo Magela.
Ronicássio Timóteo da Silva – “Roni”, artesão-aprendiz, filho de Almenara. Mais do
que um ajudante é um observador crítico e parceiro de inspirações.
[5] Prof.
Magno Reis – Ouro Preto-MG – Brasil – Jornal Vigia do Vale – nº 788 –
15/08/2000
[6] Ronald Claver, mineiro de BH,
poeta e
escritor, autor de vários livros, entre eles Senhora do Mundo,
prêmio cidade de Belo Horizonte, 1982
[7] Geralda
Soares: educadora e indigenista, natural de Santana de Itinga. Desde 1980, seu
tempo é de total dedicação e apoio solidário aos Povos Indígenas de Minas
Gerais.
2 RESSIGNIFICANDO A CULTURA POPULAR BRASILEIRA
PELA OBRA DE MAGELA ALBUQUERQUE
Telles, Beatriz Marcos1
“A vida, como o rio, se confirma nos sustos, nos
redemoinhos que as pedras causam, mas logo
à frente acalma-se, no fundo macio de areia,
alegre de nenhuma ameaça. A vida e o rio
quedam ante a lei da gravidade e ensinam que
todos os desejos se vão, mas ficam as memórias.
O Jequitinhonha é professor para quem tem
humildade de aprender”.
Marcos Lobato Martins
O Vale do Jequitinhonha situado no nordeste de Minas Gerais tem contribuído a muitas pesquisas sobre sua cultura, artesanato, música, lendas. O Rio Jequitinhonha que serpenteia a região interligando morros, vilarejos e fazendas participa e inspira seu povo com sabedoria, como destaca Magalhães (2009).
O artista Geraldo Magela Lima de Albuquerque, mineiro oriundo de Guaranilândia desenvolve sua arte incentivado por esta sua região, por meio de tintas, linhas, colagens, jornais, revistas, tecidos, bordados, resíduos e criatividade.
Em suas obras Magela recicla vários elementos descartados pela comunidade, que chegam muitas vezes trazidos pelo Jequitinhonha: tampinhas de pasta dental, pedaços de fita métrica, pedaços de garrafas pet, latinhas, peças de computador e aparelhos eletrônicos, restos de linha e tecidos, dentre tantos outros que nas mãos do artista ganham história e se contextualizam, interligando espaços. Magela resgata a cultura popular por meio de releituras diversas de personagens lendários como sacis, curupiras, mulas sem cabeça, dialogando com elementos do sagrado e do profano.
Dentre quadros, estandartes, oratórios, divinos, gamelas decoradas e rosários, o artista desenvolve sua arte e realiza oficinas despertando o interesse de várias instituições de ensino que inserem obras do artista no seu cotidiano educacional.
1 Beatriz Marcos Telles: Professora Universitária; Consultora em Educação para Sustentabilidade, Personal e Professional Coaching. Mestra em Administração/Organizações e Sociedade-PUC/SP; Especialista em: Design Instrucional para Ead Virtual: Tecnologias, Técnicas e Metodologias-UNIFEI/MG; Administração Empresas-FAAP/SP; Graduada em Tecnologia em Processamento de Dados– UFSCAR/São Carlos/SP); Membro dos grupos de pesquisa GEPI e NEF da PUC/SP.
Considerando que a arte pode ser integrativa e facilitar à humanização, que pode ser praticada com apoio dos princípios interdisciplinares, adentramo-nos no trabalho artístico de Magela Albuquerque.
A obra ‘mageliana’ se destaca pela criatividade, sensibilidade, vivacidade pelo uso de cores fortes, integração de objetos descartados e poluentes ao meio ambiente, união de técnicas diversas de bordados e macramês com forte intuição, fazendo releituras de elementos da cultura popular brasileira e de toda uma história de vida no Vale do Jequitinhonha.
Alguns professores já têm se inspirado pela obra ‘mageliana’ em suas disciplinas, como foi o caso da professora de Artes Visuais Marina Tissiani, da Escola Parque 210 norte em Brasília (DF), que nos concedeu uma entrevista informal virtual, em 21/02/2014. Tissiani conheceu a obra do artista Magela em Trancoso (BA) e teve a ideia de usá-la como inspiração e pesquisas no seu contexto educacional que se referia ao tema norteador em 2012 - cultura popular - com alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental.
Uma oficina com dez encontros aconteceu para realização de estandartes onde foi feita a releitura de obras dos artistas Magela e Galeno (artista de Brasília). Fez-se necessário o envolvimento de saberes de Música, Dança, Geografia, Biologia e História, pois o trabalho incluía, além da elaboração do estandarte e procissão, pesquisas sobre cultura, região, santos, costumes e crenças.
Sabemos que a forma como o conhecimento é apresentado ao aluno pode sinalizar avanços ou retrocessos nas questões educacionais e a interdisciplinaridade pode facilitar os processos educacionais.
A interdisciplinaridade, portanto, tem como função integrar a colcha de retalhos de competências altamente desenvolvidas e de interesses diversificados e muitas vezes antagônicos. Esta integração é uma organização que tem lugar na mente do aluno, provocada pela forma como o conhecimento lhe é apresentado. (BARBOSA, 2008, p.4).
Pesquisas diversas apontam sobre a interferência positiva da arte no desenvolvimento da cognição para outras áreas de conhecimento.
Encontramos como característica da interdisciplinaridade a “articulação entre teorias, conceitos e ideias, em constante diálogo entre si [...] que nos conduz a um exercício de conhecimento: o perguntar e o duvidar”. (FAZENDA, 1997, p.28).
Diante do exposto, compartilhamos o início de nossa pesquisa sobre a obra ‘mageliana’ no sentido de traçar paralelos entre o trabalho do artista e princípios e práticas interdisciplinares, investigando as possibilidades de se aprender por meio da arte!
Apresentamos algumas obras do artista, que já expôs na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e na FAOP (Fundação de Arte de Outro Preto).
Ilustração da capa do livro de Fernando Brant e Ana Raquel.2
20 ANOS VIGIA DO VALE
N. 788 ALMENARA; 15 DE AGOSTO DE 2000
MAGELA ALBUQUERQUE – ATELIÊ ALDEIAMUND -
ESTAR EM MINAS GERAIS
´´Conta a história que o rei Salomão podia falar com as bestas, as aves,os peixes e os gusanos.´´Assim também faz Geraldo Magela Lima de Albuquerque. Ao recolher fragmentos de vidas mortas para poder compreendermos que o lado poético da morte é, realmente, a vida. Portanto, ao construir suas obras ele da vida à morte.
A convite da artista Maria Amélia Guimarães fui a cidade de Jequitinhonha. E, a noite visitamos a casa, ateliê do artista, no distrito de Guaranilândia, onde comemos galinha com arroz e conversamos sobre arte. Geraldo Magela fez uma casa na margem do rio Jequitinhonha para morar e entregar-se livre da perturbação e humilhação dos centros urbanos á arte e seus devaneios. Constrói sua casa ateliê e seu sonho como pode. Afinal, qual é o sonho de Geraldo Magela? Enquanto o sol ilumina as águas do rio , Geraldo Magela caminha descalço pelas margens do rio recolhendo tudo que encontra: cacos de louça, pedaços de azulejos,telhas,pedras, faróis de carro, concha de marisco, lâmpadas queimadas e gamelas. Ao entrarmos, num pequeno quarto da casa vir um altar composto de oratórios remendados com pedaços de lata enferrujadas e velas acesas, chorei porque encontrei a morte a vida. Ante os santinhos tive uma sensação – de plantar-me no umbral de um segredo revelado que me enlatará com um todo ou completo – Chama–se unidade do existente – a traves da contemplação – falar do rio que está morrendo. Mas o que é compreender a gamela morta com curativos de lata enferrujada que ganham vida como oratório? Geraldo Magela é um artista sensorial distante da cor da forma e da textura seus sentidos concentram se nas águas do rio . Um artista orgânico. Os objetos possuem vários contrastes , não se amolda a modelos europeus que aprisionam a obra de arte contemporânea. A força da gamela ´´Reencontro com Deus´´, está nos ícones que são pequenos manifestos em defesa da vida. O universo de Geraldo Magela é democrático e igualitário.
Ele coletou objetos diferentes sem viajar, porque a água do rio trouxe para a margem do rio que atravessa sua vida e sua casa ateliê. Enquanto as velas iluminavam os santinhos que ganham vida dentro das gamelas, eu pensava: de onde veio esta gamela? A quem pertenceu esta gamela , com muito capricho e paciência , Geraldo magela montou com fragmentos de vidas para declarar AMOR A VIDA . O resultado é um a obra envolvente, provocante , densa e cheia de sentimento.Volto agora os olhos a gamela ´´reencontro com deus´´, onde Geraldo faz um antigo tema iconográfico, no que São Francisco de Assis decursa a aves no campo . Em Assis, Giotto também representou esta cena .Mas no oratório –gamela de Geraldo Magela vemos a figura recortadas pela ferrugem . Qualquer artista que deixa sua mão mergulhar na água do Jequitinhonha , pergunta : A mão que desenha na água. Perde seu traço para peixinhos que resistam a degradação do homem pelo conteúdo - esse traço é uma denúncia. Como o santo que conversa com a s aves, o artista ler em meio desse dilema, agora na obra recente de a Geraldo Magela, uma gamela viajou pelas águas do rio par voltar ser à VIDA. essa experiência estética do objeto utilitário que ressuscitou para ser arte. Arte e seu reflexo, a arte e sua obra , a arte entre os objetos , a arte nunca vista, a arte mental. Isso somado ao universo oferece a nossa compreensão. A água que transporta fragmentos da vida- todo tempo estamos na origem do tempo. Então afirmar que aquele que reencontrar com Deus nas gamelas de Geraldo Magela poderão conversa com os peixinhos do Rio Jequitinhonha. O sonho de Geraldo magela é transformar sua casa onde o artista do vale possa habitar sua própria obra e de mostrar com as obras que a região do Vale também sabe fazer essa coisa que a grande metrópole chama de arte´´
FAOP
FUNDAÇÃO DE ARTE DE OURO PRETO.
Prof. Magno Reis
OURO PRETO-MG-BRASIL
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